Título: Alfonsín, Menem e as relações cívico-militares. A construção do controle sobre as Forças Armadas na Argentina democrática (1983-1995) - Capítulo sexto - Menem e a reinstitucionalização das Forças Armadas
CAPÍTULO SEXTO
MENEM E A REINSTITUCIONALIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS
6.1) Menem e a questão militar.
Desde fim de 1988, e como conseqüência da nula capacidade governamental para resolver a crise militar e da evidente derrota eleitoral que o radicalismo sofreria nas eleições previstas para o 14 de maio de 1989, o eixo de gravitação das relações cívico-militares começou a passar pelo candidato presidencial do PJ, Carlos Saúl Menem.
Neste contexto, as orientações ensaiadas por Menem nas que se referia à questão militar configuraram o foco das expectativas dos principais atores civis e dos fardados, ainda mais caso se levasse em conta que no interior do Exército existia um conflito aberto não resolvido. Deste modo, o interpretaram os carapintada, quem entenderam que através de uma aproximação ao candidato peronista poderiam melhorar sua situação política interna e projetar-se, por conseguinte, para a direção da arma.
Durante sua detenção nos quartéis de Palermo, o Coronel Seineldín desenolveu uma atividade política intensa com fluidos contatos com os seus seguidores assim como também com referentes políticos e empresariais vinculados com ele e, particularmente, com dirigentes próximos a Menem. Perante eles declarou em numerosas oportunidades sua intenção de voltar ao serviço ativo, de dirigir alguma unidade importante da arma ou, inclusive, de dirigir o EMGE.936
O candidato peronista entendia que sua chegada ao governo nacional devia ir acompanhada da resolução da problemática dada pela ativa presença no interior do Exército do setor carapintada e pelo enfrentamento desse setor com a direção do EMGE. Com vistas a este objetivo, Menem estabeleceu, durante os primeiros meses de 1989, uma série de vinculações tanto com os carapintada, especificamente com Seineldín, quanto com os Generales pertencentes ao setor pró-instituição da arma, em particular com o General Cáceres. Alguns de seus assessores militares, como o Coronel (R) Simón Arguello e o ex-senador nacional pela província de Corrientes Humberto Romero, consideravam que o último levantamento não tinha se orientado a produzir uma ruptura da ordem constitucional e que o enfrentamento existente entre os carapintada e o generalato representado pelas figuras dos Generales Caridi e Gassino, aos que indicavam como "liberais, do processo e antiperonistas", tendia a uma reorganização militar de caráter "nacionalista e filoperonista". Segundo essa perspectiva, essa reestruturação devia compreender o deslocamento daquela cúpula e sua substituição pelo Coronel Seineldín ou por algum outro oficial de seu entorno.937 Entretanto, outro assessor militar de Menem, o advogado Carlos Cañón, defendia uma posição diferente. Na sua opinião, era inconveniente levar a cabo uma política militar apoiada em uma aliança exclusiva com um dos setores em conflito dentro do Exército. Era necessário gerar uma situação de equilíbrio entre esses bandos nomeando como titular do EMGE a um general que não fosse nem "liberal" nem carapintada e que contasse com um elevado prestígio profissional dentro da arma. A figura que propunha Cañón era o General Isidro Cáceres, garante dos acordos que tinham colocado o ponto final à rebelião de Villa Martelli e com quem tinha fluentes contatos desde fim do ano anterior.938 Pois bem; ambas posturas eram avalizadas por Menem: seus homens estavam habilitados pelo candidato para que aprofundaram seus respetivos contatos militares, o que, de certo, configurava um precedente do pragmatismo com o que o dirigente de La Rioja encararia a questão militar.
De todos modos, na medida que a crise econômica se aprofundou no país e foi-se fechando a possibilidade de que Alfonsín pudesse completar seu mandato em dezembro desse ano, Menem consolidou suas relações com o líder carapintada. Para o candidato peronista, esta aproximação significou uma salvaguarda política para fazer frente a qualquer tentativa empresarial e/ou direitista de condicionar sua quase segura vitória eleitoral ou, em um caso extremo, para neutralizar qualquer tentativa de impedir sua chegada ao governo. Naquela época eram constantes os boatos de que a cúpula do Exército observava com certo receio a chegada de Menem ao poder. Em função disso, no fim de janeiro de 1989, Seineldín e Menem decidiram formar uma equipe de análise e de trabalho sobre questões militares coordenado pelo primeiro e por César Árias, um dos dirigentes peronistas mais próximos ao homem de La Rioja.
Todo isto evidenciava que para Menem os militares, mais que uma instância politicamente prescindente e institucionalmente subordinada ao poder político, continuavam configurando um "fator de poder" no sistema argentino. Menem, não só legitimou tal situação, mas também a favoreceu e a consolidou estabelecendo vínculos e empreendendo ações políticas conjuntas com quem tinha encabeçado a mais violenta e ampla rebelião desde a reinstalação democrática de 1983.
Em definitiva, a incapacidade alfonsinista para estabilizar as relações cívico-militares e a estratégia apoiada na projeção de um setor militar como fator de poder obstavam o processo, cansativo e conflitante, de reinstitucionalização democrática das Forças Armadas.
De todos modos, não foram muitas as ocasiões nas quais Menem manifestou-se publicamente sobre a questão militar nem resultaram claras suas posições acerca de como tentaria resolver tanto a revisão do passado quanto a problemática no interior do Exército. No entanto, em uma extensa reportagem publicada em janeiro de 1989 deu algumas definições substancias sobre a defesa nacional e sobre os temas militares. Na ocasião, declarou que não era possível negar o caráter de "fatores de poder" que conservavam as Forças Armadas, e que a democracia e a conseqüente subordinação do "poder militar" ao governo civil, deviam assentar-se sobre o fundamento dessa consideração.
Nadie puede negar que en nuestro país las fuerzas armadas se han constituido como factores de poder, pero ello no tiene que estar contrapunto al concepto de democracia. Por el contrario, la utilización de ese mismo poder, dentro de una política de defensa nacional perfectamente definida, debe servir para consolidar a la democracia, porque esa política de defensa debe darle a las fuerzas armadas la ubicación exacta que éstas deben tener en el conjunto social argentino. Así visto, el poder militar, definitivamente, no está en contradicción con la democracia [...]. La cuestión es no sólo seguir trabajando sobre el antagonismo "poder militar - democracia", sino encontrar la forma de reforzar el poderío militar nacional dentro de la profundización y consolidación del sistema democrático. Para ello, es fundamental definir con exactitud la hipótesis de conflicto.939
A "idéia força" afirmada por Menem consistia em converter as Forças Armadas em um "poder militar" que servisse de fundamento para as mudanças e transformações que, em suas palavras, produziria seu futuro governo e que permitisse enfrentar os conflitos que isso originaria. Isto explicitava a intenção menemista de colocar os homens de armas, ou, na verdade, a um setor deles, como uma peça-chave de sua elaboração política, isto é, como "braço militar" indispensável para seu projeto, em função de fazer frente à ação dos "inimigos de sempre".
En la base de esta concepción está la voluntad de convocar a las Fuerzas Armadas y al pueblo para generar un poder militar de nuevo tipo, que se constituya en brazo militar de los intereses nacionales y populares. Ello es fundamental para que un movimiento como el nuestro, orientado a alterar la decadencia de Argentina y eliminar la pobreza de su pueblo, encuentre perdurabilidad y creciente consenso [...]. Mi gobierno estará decidido a producir cambios profundos y transformaciones perdurables. A ellos, se opondrán los enemigos de siempre, los de adentro y los de afuera. Los mismos que voltearon el gobierno democrático del general Perón en 1955. Esa oposición al cambio, a una vida mejor para los argentinos, a una inserción no dependiente de Argentina en el mundo, también provocará tensiones, conflictos y, porqué no decirlo, dolores [...].940
Neste contexto, Menem estabeleceu como uma prioridade fundamental para o futuro governo a formulação de uma política de defesa articulada sobre o fundamento de uma séria de hipóteses de conflito, da necessária regulamentação da lei de defesa nacional e do desenvolvimento do setor produtivo da defesa. Sobre o primeiro aspecto, Menem considerou a defesa do território nacional como a tarefa prioritária das Forças Armadas e mencionou o "Atlântico Sul" com a "área de beligerância" na que existia a principal hipótese de conflito em torno da qual devia organizar-se a defesa nacional. Em sua opinião, e assim como o tinha afirmado desde 1983 a administração radical, esse conflito bem poderia converter-se em "hipótese de guerra" com Inglaterra.
Evidentemente, la zona de beligerancia está en el Atlántico Sur. Hay allí un enemigo externo que presenta todas las condiciones que son necesarias para definir una hipótesis de conflicto [...]. Urge la implementación de una planificación basada en la preparación de los cuadros de las fuerzas para la defensa el territorio argentino en litigio, lo que incluye una necesaria redistribución de los asentamientos militares. Defender el territorio argentino en litigio significa defender todo el territorio nacional. [...] existe la posibilidad de que la hipótesis de conflicto que antes señalé se transforme en hipótesis de guerra por acciones del enemigo externo allí presente [...]. Las Fuerzas Armadas deben estar preparadas para enfrentar la hipótesis de conflicto en el Atlántico Sur o en cualquier otro punto donde surja un enemigo externo, y no para dar golpes de Estado.941
Também ressaltou a necessidade de fortalecer militarmente as Forças Armadas argentinas de modo a fazer frente a possíveis adversários externos, dentre os quais fez referência especificamente a Chile.
[...] hay Estados -vecinos de Argentina- que dicen que necesitan una suerte de "espacio vital". Sin ser necesariamente Gran Bretaña, esos Estados pueden asociarse a los británicos en un avance hacia nuestro territorio. Es por esta realidad, de contenido geopolítico, que Argentina necesita armamentos de producción nacional en toda la gama tecnológica, en una especie similar a la que utilizan nuestros posibles adversarios en un conflicto bélico. Parte de esa tecnología deberá ser producida por nosotros, en nuestros laboratorios y fábricas, pero parte de ella la debemos incorporar necesariamente del exterior.942
Deste modo Menem, propôs uma certa forma de rearme militar, já fosse através da produção nacional de tecnologia bélica ou através de sua importação. Segundo sua perspectiva, o potencial bélico argentino devia se corresponder com a "capacidade de fogo de nossos inimigos potenciais". Nesta conjuntura, a importância dada por Menem ao setor de produção para a defesa era central. Afirmou, a respeito, a necessidade de alcançar o auto-abastecimento, do aparelho militar local, assim como também a reativação e o incentivo da exportação de armas, munições e tecnologia de uso dual produzida no país.
[...] Implementaremos una política de defensa a partir de una hipótesis de conflicto y de una ley de Defensa reglamentada y puesta en marcha. Daremos un fuerte impulso a la producción para la defensa reactivando institutos pertenecientes a las Fuerzas Armadas, como Fabricaciones Militares y otros, con el objetivo de asegurar el autoabastecimiento de material bélico con tecnología de avanzada. Esa política posibilitará exportar una parte significativa de esa producción [...].943
A respeito, o candidato justicialista defendeu a ativa intervenção do setor público e do privado na produção para a defesa.
[...] Las empresas pública y las empresas privadas deben converger en lo que se llama el "desarrollo de sistemas". Esto quiere decir que el poder político debe definir, en función de la hipótesis de conflicto que informa a su política de defensa, qué tipo de armas y materiales necesita. En ambos casos se trata siempre de "sistemas" tecnológicamente complejos [...].944
Além disso, expôs a necessidade de que a Argentina rompesse com a "dependência tecnológica" mediante a qual "algumas potências" pretendiam reservar-se a "exclusividade de algumas linhas tecnológicas chaves" e, desse modo, impediam que "o saber tecnológico se distribuísse eqüitativamente no mundo". Referia-se aos Estados Unidos e, por sua vez, fazia alusão a sua intenção de continuar o desenvolvimento do míssil Côndor II. Uma das principais críticas que formulou ao governo radical centro-se no fato de ter "freado" o desenvolvimento deste projeto de mísseis por falta de alguns componentes tecnológicos.
El Côndor II surgió en La Rioja, en la base aérea del Chamical, y las experimentaciones que allí se realizaron tuvieron resultados óptimos. Sin embargo este gobierno no tiene la capacidad política, la independencia internacional necesaria para encarar su producción en serie.945
Neste aspecto, Menem propôs levar a cabo "uma política de neto corte independente" respeito das grandes potências , isto é, todo o contrário, segundo disse, do realizado pelo governo radical, ao que culpou, não só pela falta de uma política integral em matéria de defesa nacional, mas também pela absoluta fraqueza no exercício do poder sobre as Forças Armadas.
[...] el presidente de la Nación, como Comandante en Jefe de las Fuerzas, no usó [su] poder para consolidar el sistema democrático. Su esfuerzo estuvo dirigido a desdibujar la función de las Fuerzas Armadas y negar la importancia que éstas tienen en el mundo actual, que está en permanente conflicto. Argentina tiene un conflicto en el flanco sur, pero el presidente parece que aún no lo ha advertido.946
A respeito especificou que a ausência de direção eficaz sobre as Forças Armadas tinha gerado condições propícias para o "deterioro da cadeia de mandos" e para o desenrolamento de atos de insubordinação. Em sua visão, essa falência derivou da ausência de objetivos militares e do fato de não ter estabelecido funções específicas para as Forças Armadas.
Los cuadros militares, aquí y en cualquier parte del mundo, han sido formados para recibir órdenes y no para ser adulados. Cuando el poder político transforma el concepto de subordinación en una relación de amistad entre pares, la indisciplina se apodera de las filas de las Fuerzas Armadas y a partir de allí es imposible impartir órdenes. Ésta es la característica que el gobierno le imprimió a su relación con las Fuerzas Armadas [...] Por esa falta de objetivos militares -que ya es insoportable- las fuerzas se encuentran en un estado deliberativo. Esto es una realidad que puede transformarse en una situación incontrolable. Llegamos a este punto porque el poder político no ha asignado a las fuerzas ningún rol específico.947
Desta maneira, Menem encarou a questão militar apoiado em um discurso de corte netamente "nacionalista" e de uma política de defesa nacional voltada, por um lado, à autonomia tecnológica e estratégica como meio para enfrentar um contexto conflitante derivado do impulso expansionista chileno e da presença britânica no Atlântico Sul e, por outro lado, através de uma nova hierarquização das Forças Armadas como "fator de poder" e como instituições básicas do Estado, embora estritamente subordinada ao poder político. Tudo isto permitiu-lhe conservar um forte tom crítico para o governo radical e, ao mesmo tempo, consolidar um posicionamento de caráter geral que o acercava ao ideário tanto carapintada quanto pró-institucional.
No 25 de fevereiro, o Conselho Nacional do PJ aprovou a plataforma eleitoral partidária com vistas às eleições futuras. Nesse documento, reiteraram-se as críticas à gestão radical em matéria de política militar e retomaram-se alguns dos conceitos propostos por Menem sobre a defesa nacional. Porém, a posição geral da proposta acerca destes temas era substancialmente diferente das orientações formuladas pelo candidato presidencial e, provavelmente, isso respondia ao fato de que essa plataforma tinha resultado de uma série de intercâmbios e negociações empreendidas entre o menemismo e os setores da renovação peronista, com certeza, críticos ao primeiro.
Sobre o governo nacional, no documento interpretou-se que a falta de uma política militar e de defesa eficaz tinha sido a principal causa dos conflitos militares e da manutenção de estruturas castrenses perimidas e "vetustas".
Sucesivas y graves crisis producidas en el ámbito de las Fuerzas Armadas, particularmente en el Ejército Argentino, han sido testimonio suficiente de la ausencia de una correcta y eficaz política tendiente a resolver definitivamente la "cuestión militar" y vertebrar un sistema de Defensa Nacional apto para garantizar el poder de disuasión necesario para el efectivo ejercicio de la soberanía nacional. El mantenimiento de estructuras vetustas y burocráticas, un despliegue territorial inadecuado, el deterioro del nivel de ingresos del personal militar y la asignación tardía de recursos escasos, han acentuado hasta límites intolerables, la obsolescencia y deterioro de equipos, sistemas de armamento y planes de instrucción y capacitación. La desmotivación espiritual y profesional ha dañado gravemente la cohesión institucional, haciendo del servicio una rutina burocrática que descompone la disciplina y lesiona gravemente la aptitud para la defensa.948
Neste contexto, o PJ propôs uma "política integral de defesa", considerando que transcendia a questão militar e ia além inclusive da defesa da integridade territorial, já que, na verdade, assentava-se sobre o desenvolvimento econômico, tecnológico, político e social do país, tudo isso sob a direção das "autoridades constitucionais". Assim entendida, a defesa nacional devia pensar-se para "resolver satisfatoriamente aquelas agressões de origem externa que comprometessem a liberdade de ação e os objetivos nacionais". Por seu lado, as Forças Armadas deviam limitar seu âmbito funcional à esfera da defesa nacional. Isto é, longe de considerar, como o fazia Menem, às Forças Armadas como "fatores de poder", na plataforma eleitoral justicialista se sublinhou a necessidade de excluir às instituições militares dos assuntos da política interna e da segurança interior.
Las Fuerzas Armadas tienen como misión permanente su preparación y alistamiento para actuar subordinadas a la Constitución y sus órganos como integrantes del poder disuasivo de la Nación en el ejercicio de su soberanía, acompañando y resolviendo satisfactoriamente los conflictos y agresiones de origen externo. La perspectiva geopolítica distingue a las Fuerzas Armadas de las organizaciones que se ocupan de áreas de seguridad interna.949
Deste modo, o PJ ratificou os parâmetros centrais da lei 23.554 no que se relacionava com a missão das Forças Armadas aí instituída, e o fez em momentos nos que, logo após da ocupação dos quartéis de La Tablada produzida o 23 de janeiro de 1989, vinha se produzindo uma forte pressão militar em favor de modificar aquela norma de modo de legalizar a intervenção das Forças Armadas em assuntos circunscritos à segurança interna.. A proposta justicialista, além disso, ficou ratificada quando seguidamente indicou-se que essas instituições deviam intervir como "reserva estratégica" em situações determinadas de segurança interna para fazer frente somente a ameaças específicas cujo desenvolvimento supusessem a ultrapassagem da capacidade de contenção das forças policiais e de segurança.
[Las Fuerzas Armadas] solo integrarán como reserva estratégica el sistema de seguridad del Estado bajo la conducción de las autoridades constitucionales para los casos específicos de agresiones internas que por su gravedad superen los estamentos policiales y de seguridad.950
Finalmente, se propôs uma reestruturação militar e da defesa assentada na "redistribuição geográfica de unidades militares", a "reconversão da indústria setorial da defesa", a "consolidação da autonomia econômica setorial no processo de reorganização da defesa" destinando o grosso dos recursos que aí se gerassem ao equipamento militar, ao desenvolvimento tecnológico e à profissionalização das organizações castrenses; e a "progressiva redução dos cidadãos convocados à prestação do serviço militar, com vistas a uma futura e progressiva profissionalização do dispositivo militar da Nação".
Pois bem, a repetida hiperinflação que se abatia sobre a economia argentina e a conseqüente crise social que derivava disso, deu as condições para uma campanha eleitoral assinalada por uma polarização política forte entre o governo e o principal partido de oposição, isto é, o PJ. Neste conflitante contexto, a à luz da quase segura vitória peronista naqueles comícios eleitorais, não parecia ter justificativa a já mencionada denúncia realizada nos meados de janeiro pela dirigência do MTP sobre os eventuais vínculos existentes entre Menem, alguns sindicalistas peronistas e o líder carapintada Seineldín em função de alterar a ordem constitucional. Porém, era verdade que existiam fluentes contatos entre Menem, alguns dirigentes de seu entorno íntimo e o chefe rebelde, o que, de certo, gerou um clima de tensão tanto com o governo quanto com a direção do Exército. Dado que essas relações foram tomando estado público o candidato peronista teve que assumir uma posição menos comprometida com os carapintada e mais eqüidistante dos distintos setores internos que conviviam de modo conflitante no interior do Exército.
Em função disso, no começo de fevereiro, Menem designou ao advogado, especialista em direito administrativo, Roberto Dromi como enlace com as Forças Armadas. Tratava-se de um assessor inclinado a entabular vínculos institucionais com os fardados, acima e independentemente das linhas internas militares. Sua designação nessa função significou o retrocesso de Humberto Romero para um segundo lugar. Ao mesmo tempo, no fim de março, o governador de La Rioja teve uma extensa entrevista com o General Gassino na que abordaram várias questões vinculadas ao âmbito militar. Acerca dos contatos entre alguns de seus assistentes e os carapintada, Menem indicou a Gassino que não podia impedi-los, mas que, ao mesmo tempo, privilegiava as relações com a cúpula da arma. Sobre a revisão do passado, ambos coincidiram na necessidade de procurar uma autêntica "pacificação nacional", sem especificar em que consistia isto para cada interlocutor. Gassino, por seu lado, manifestou que estava de acordo com o projeto de lei ônibus enviado em meados desse mês pelo governo nacional ao Congresso propondo uma série de modificações à lei 23.077 de defesa da democracia, ao Código Penal e ao Código de Procedimentos em matéria Penal, com o intuito de ampliar as penas por apologia do delito assim como também para os instigadores desse tipo de delitos, diminuir as penas ou eximir delas aos processados que colaborassem com as autoridades governamentais e judiciais nas pesquisas criminais, ampliar os prazos da declaração indagatória e da incomunicação, julgar em instância única os delitos vinculados à ação terrorista e ampliar as faculdades de chefes operativos militares em caso de ter de intervir para conjurar fatos terroristas.951 O militar advertiu sobre "ressurgimento do flagelo terrorista", tal como em sua opinião tinha ficado demonstrado na ocupação do quartel de La Tablada e, em função disso, indicou lhe ao candidato peronista de que aquele projeto do oficialismo contasse com uma rápida aprovação legislativa, ao qual Menem respondeu que estava em desacordo com essa idéia e que entendia que a iniciativa não seria tratada no parlamento por falta de apoio político. Finalmente, Gassino declarou que seu grande objetivo era a "coesão do Exército" e comprometeu-se a não intervir no processo político no que se daria a futura contenda eleitoral, tal como o expressou o comunicado oficial dado a conhecer pelo EMGE logo depois da reunião.
[Gassino] remarcó la necesidad de una verdadera reconciliación nacional y alertó sobre el resurgimiento del flagelo terrorista como se demostró en los hechos de La Tablada [...]. Asimismo, destacó los esfuerzos realizados para consolidar la actual cohesión del Ejército, remarcando que su misión esencial es salvaguardar los más altos intereses de la Nación. Ello lo compromete en la preservación del sistema representativo, republicano y federal que establece la Constitución Nacional, mientras que, por otra parte, le impone una absoluta prescindencia política y electoral.952
A posição assumida pelo chefe do Exército resultou importante, já que na dirigência peronista e, particularmente, no menemismo, existia uma fundada preocupação acerca da possibilidade de intervenção militar caso o PJ triunfasse nas eleições nacionais. Por esta razão, Menem ressaltou que o General Gassino tinha lhe garantido absoluta prescindencia no processo político.
Hemos hablado de la necesidad de que las Fuerzas Armadas sean prescindentes antes, durante y después del proceso electoral [...]. El Ejército no tiene n porqué meterse en una cuestión que hace a la vida política del país.953
Por seu lado, Menem assinalou que o eixo da conversa tinha sido a necessidade de reinstitucionalizar as Forças Armadas em um sentido profissionalista e fortalecê-las sob a ótica da organização, reiterando os argumentos já esboçados em outras ocasiões com relação à questão militar.
Nosotros tenemos una propuesta para las Fuerzas Armadas, que es la inserción de la institución en el concepto de defensa nacional, totalmente profesionalizadas; redistribución de los asentamientos militares; y, a partir de las fábricas militares, producir para el beneficio del país. Hemos hablado de este tema, de la necesidad de dotar a las Fuerzas Armadas de una mayor operatividad, habida cuenta de la inmensa geografía territorial que tiene nuestro país, y, por supuesto, este reequipamiento se hará a partir de armamento de primera línea, de tecnología de punta.954
Também se soube que, nessa ocasião, o General Gassino, quem já tinha obtido do debilitado presidente Alfonsín a criação do Conselho de Segurança e a promulgação do decreto 327/89 através do qual o governo tinha autorizado a intervenção militar em assuntos de segurança interior -especificamente, na luta contra o terrorismo-, expressou claramente a posição oficial da arma no sentido de procurar uma ampla anistia em favor dos militares processados e sancionados.. Para o General Gassino, estas questões eram transcendentes dado que a obtenção de um reposicionamento favorável do Exército em todos estes temas significaria uma consolidação de sua situação à frente da arma e isto permitiria lhe iniciar uma ofensiva definitiva contra o politicamente ativo setor carapintada. Estes, por sua parte, vinham denunciando desde alguns meses atrás a possibilidade de que, antes ou depois das eleições, se produzisse algum golpe de Estado encabeçado pela direção da arma com o intuito de obstaculizar ou impedir a chegada do candidato peronista ao governo.955 Como resposta, durante os primeiros dias de março, o EMGE tinha imposto uma série de sanções contra alguns oficiais comprometidos no levantamento de Villa Martelli.956 Isso significou a ruptura da situação de trégua vigente desde dezembro do ano anterior. Seineldín interpretou que através dessas medidas se tinha quebrado o pacto acordado ao finalizar aquela rebelião. Desde esse momento, o conflito interno do Exército começou a reativar-se.
Por sua parte, no começo de maio, a causa do pedido dos comandantes militares dentro do Conselho de Segurança, Alfonsín tinha dado uma série de diretivas específicas para que o Estado Maior General de cada arma dispusesse dos meios adequados para previr e/ou reprimir a ação dos grupos que pudessem chegar a superar a capacidade operativa dos corpos policiais e de segurança, segundo critério militar.957 Em sintonia com isso, no começo de junho, tomou estado público a ordem reservada dada por Alfonsín às Forças Armadas para que -de acordo com o decreto 327/89, mas violando a lei 23.554- estas iniciassem ações de inteligência com o fim de detectar eventuais grupos "subversivos" envolvidos nos inumeráveis saques a comércios e supermercados que se vinham produzindo em todo o país. Deste modo, Alfonsín, em meio de uma inocultável situação de desgoverno, avalizou uma vez a mais a posição dos chefes militares no Conselho de Segurança a favor de que fossem os organismos castrenses de inteligência os responsáveis de recolher informação e realizar os análises do caso.958 Somente tinham passado quinze dias da contundente vitória eleitoral peronista ocorrida no 14 de maio.
Pois bem, Menem, atento a esta situação e considerando que isso iria em contra dele, reativou e ampliou os contatos estabelecidos entre alguns de seus assistentes tanto com Seineldín, por um lado, quanto com o General Cáceres, por outro lado. Através destas aproximações, o candidato peronista tentou restringir e equilibrar a projeção política empreendida por Gassino e, ao mesmo tempo, contar com um relativo respaldo militar para fazer frente a qualquer tentativa de condicionar e/ou impedir sua chegada à presidência da Nação. A clara fraqueza governamental, a inclinação alfonsinista a satisfazer positivamente as demandas militares em matéria de segurança interna e a rearticulação da reivindicação militar em favor de uma saída política que beneficiasse aos ex-comandantes e chefes do processo ajuizados e sancionados eram considerados por Menem como acontecimentos que tendiam a condicionar seu futuro governo, e atuou em conseqüência.
6.2) O indulto, a conflitante situação do Exército e a segurança interna.
Desde sua vitória eleitoral, Menem consolidou sua aproximação a Seineldín e até chegou a encontrar-se pessoalmente com o militar detento. Na reunião levada a cabo o 17 de maio, Seineldín expressou lhe sua aprovação pela futura designação do Dr. Ítalo Lúder ao frente do ministério de Defesa e pela de Humberto Romero -como se disse acima, dirigente vinculado aos carapintada- como secretário dessa pasta. Por sua vez, lhe disse que a nomeação dos Generales Isidro Cáceres e Pablo Skalany -chefe da Direção de Apoio do Exército em cujo âmbito estava cumprindo seu arresto- como chefe e subchefe do EMGE, respetivamente, significariam a resolução do conflito político-militar interno, ao que acrescentou a necessidade de implementar uma anistia e/ou um indulto que beneficiasse aos militares ajuizados e sancionados. Também, o líder carapintada, em sintonia com a necessidade menemista de contar com uma unidade operativa militar, ofereceu-se para criar e dirigir uma unidade militar de desdobre rápido para intervir centralmente no combate contra o narcotráfico e a ação de grupos subversivos e que dependesse diretamente do presidente da Nação e entregou lhe ao mandatário eleito uma pasta com lineamentos para uma futura reorganização militar.959
Enquanto isso, o reinicio da ofensiva administrativa concebida por Gassino contra os carapintada e o silencio guardado a respeito pelo General Cáceres, garante da trégua estabelecida em dezembro de 1988, fizeram que Seineldín começasse a perder confiança neste último chefe e o convenceram da necessidade de fortalecer os vínculos com o menemismo. Até esse momento, Cáceres era o chefe proposto por Seineldín para dirigir a arma a partir do momento em que Menem assumisse como presidente e, se respeitava-se o acordo de Villa Martelli, o líder carapintada tinha se comprometido diante Gassino a passar para a reserva sem gerar inconvenientes, embora em numerosas ocasiões tivesse manifestado frente a porta-vozes e enviados menemistas seu interesse por voltar ao serviço ativo, dirigir o V Corpo de Exército e, em dois anos, assumir a chefia do EMGE.960
Contudo, no começo de junho, o contexto político no interior do Exército não era o mesmo. O General Cáceres, animado por seus contatos com os enviados menemistas e convencido de sua quase segura designação como titular do EMGE, começou efetivamente a tomar distancia de Seineldín. Aliás, não era partidário de nenhum ato de indisciplina no interior da arma. Ao mesmo tempo, a Junta de Qualificações do Exército -da que Cáceres formava parte- recusou as promoções dos Tenientes Coroneles Gustavo Martínez Subiría e Santiago Alonso e a do Major Jorge Durán. Todos eles eram oficiais carapintada do entorno de Seineldín. Perante essa situação, e com a informação de que a cúpula da arma ampliaria as sanções contra outros fardados de seu setor, Seineldín decidiu quebrar o pacto interno existente até esse momento tanto com o EMGE quanto com o General Cáceres e passar à ofensiva.
Assim, no 16 de dezembro, enviou lhe uma carta ao General Skalany para que fosse entregue ao General Gassino. Nela indicou que deixava sem efeito o "acordo de Villa Martelli" devido a que esse pacto, segundo suas palavras, nunca tinha sido "reconhecido nem cumprido por parte do Estado Maior Geral do Exército". Em conjunto com essa missiva, o coronel rebelde anexou um documento de sua autoria, datado em 10 de abril, no que propôs uma extensa análise sobre as causas dos levantamentos de Semana Santa, Monte Caseros e Villa Martelli e da situação do setor carapintada no interior do Exército. Além do mais, afirmou que nos fatos de Villa Martelli tinha se substituído a "disciplina formal pela disciplina qualitativa baseada no honor e no dever ser sanmartiniano" e que nessa ocasião tinha se estabelecido um acordo fundamentado em cinco pontos, a saber, "1) restauração do honor militar; 2) recuperação da dignidade do Exército Argentino e de todo seu pessoal; 3) reivindicação da guerra antisubversiva e da guerra por Malvinas; 4) solução definitiva de todos os problemas derivados dos fatos de Semana Santa, Monte Caseros, Villa Martelli [...]; 5) fazer responsável exclusivo dos fatos de Villa Martelli ao subscrito". Aí, dizia se que esse acordo tinha sido estabelecido entre o General Caridi e o Coronel Seineldín -em seu caráter de "comandante do Exército Argentino em operações"-, e que o General Cáceres tinha agido como garante. Também acusava ao governo radical de "cipayo" e o fazia responsável, em conjunto com a renovação peronista, de pretender a dissolução do Exército.961 Deste modo, perante a perda de projeção política dentro da arma e diante à quase segura nomeação de Cáceres à frente do Exército, Seineldín decidiu aprofundar o conflito interno, pretendendo, com isso, obrigar a Menem a tomar uma decisão sobre a direção da arma. Desta maneira, tentou pressionar, sem mais, ao futuro mandatário em favor de melhorar sua própria posição no Exército ou, pelo menos, de condicioná-lo e obrigá-lo a que levasse em conta os carapintada no reordenamiento interno que se produziria em momentos em que se conformava a nova cúpula da arma.
Por seu lado, o General Cáceres, consultado por estes fatos, assinalou que a ele não lhe correspondia informar sobre o acontecido em Villa Martelli, embora no contexto de uma reunião de mandos de sua unidade, afirmasse que naquela oportunidade o único que tinha se acordado era o cesse das operações rebeldes, o início de um sumário a Seineldín e as futuras transferências para a reforma do militar rebelde e do General Caridi; todo isso com a intenção de conseguir "a reivindicação da luta contra a subversão" e da "guerra de Malvinas", melhorar "a situação orçamentária", modificar "a lei de Defesa" e, entre outras coisas, parar "a agressão contra as Forças Armadas pelos meios que não fossem privados".962 Ao dia seguinte, o próprio General Gassino enviou um rádio a todas as unidades do Exército no que negou a existência de algum pacto ao que estivesse submetida a direção da arma e comprometeu-se a sancionar a Seineldín por sua atitude.
Logo após de ter-se decidido e acordado entre Alfonsín e Menem a entrega adiantada do poder presidencial, a que devia-se concretizar no 8 de julho de 1989, todas as expectativas políticas sobre a questão militar dirigiram-se para o mandatário eleito. Suas repetidas manifestações acerca da necessidade de concretizar uma política de "pacificação nacional" e a indefinição sobre as medidas que implementaria para lográ-lo assim como os vínculos claros estabelecidos com Seineldín faziam muitas pessoas acreditarem que Menem, por um lado, aceitaria a reivindicação militar em favor dos militares julgados e dos ex-comandantes sancionados e, por outro lado, poria a balança a favor do setor carapintada para resolver o conflito interno no Exército. Como se disse acima, naquele momento, Alfonsín tinha lhe oferecido a Menem a aplicação de um conjunto de indultos seletivos que beneficiasse a alguns militares processados e sancionados pelos crimes perpetrados durante a luta antisubversiva. Isto devia produzir-se nas condições estabelecidas por um acordo político entre ambos, com o intuito de "fechar as questões do passado".963 De qualquer modo, Menem recusou esse oferecimento e reservou-se a possibilidade de implementá-los em um futuro próximo com a intenção de se posicionar como o presidente responsável da resolução daquele processo. Sobre o conflito interno do Exército, adotou uma posição semelhante, reservando-se a decisão última acerca de quem conduziria a arma s partir do momento em que ele assumisse o cargo e de quais seriam os eixos concretos de sua política militar, embora a pressão exercida por Seineldín para adiantar uma definição a respeito tivesse sido observada por Menem com certo receio.
Assim que assumiu a presidência da Nação, Menem nomeou como chefes dos Estados Maiores Gerais de cada força militar ao General Isidro Cáceres -Exército-, ao Contra Almirante Jorge Ferrer -Marinha-, ao Brigadier José Juliá -Força Aérea-, e ao Vice Almirante Emilio Ossés como titular do EMCO. Com a designação de Cáceres, o menemismo começou a se distanciar de Seineldín. Cáceres era um oficial pró-instituição que contava com um amplo prestígio profissional dentro do Exército e que era contrário ao caráter político que os Generales Caridi e Gassino tinham dado à arma. Não poupava palavras às horas de reivindicar a ação militar do passado, mas, ao contrário de seus antecessores, o fazia som um tom crítico e exaltando a democracia como forma ideal de organização política. Assim o tinha expressado em um ato público no 29 de janeiro desse ano.
Hubo una guerra donde no hubo ni frentes ni enemigos identificados, y en ocasiones el personal quedó librado a sus propios valores [...]. En muchas ocasiones nos hemos salido del cause en lo colectivo, e individualmente también se cometieron errores y excesos [...]. Nuestro deber de soldados es ser esclavos de la ley, sujetarnos a ella y a las órdenes que en virtud de tales normas se nos impartan por directivas que emanen del comandante supremo de las Fuerzas Armadas que es el presidente de la Nación [...]. Somos los primeros que debemos cumplir la ley porque de lo contrario estaríamos haciendo una utilización desleal de las armas que nos han confiado.964
Com esse mesmo sentido, ao dia seguinte, tornou a reivindicar o sistema democrático e ratificou a plena subordinação militar às autoridades constitucionais.
El Ejército ha contribuido a la estabilidad de las instituciones republicanas y democráticas, que es el único sistema capaz de brindar una vida en paz y en justicia [...]. El respeto al ciudadano pasa por el respeto a la pluralidad de ideas y religiones, su decisión soberana de elegir representantes y reconocer su total derecho de hacer uso de las libertades que la Constitución establece [...]. La fuerza solo es legítima si lleva consigo el poder de la ley y si las armas son empleadas por mandato de las autoridades legales de la República [...].965
Aliás, a pesar de que tinha sido garante do acordo que pôs fim à rebelião de Villa Martelli e a que em numerosas ocasiões tinha sido proposto pelos carapintada para dirigir a arma, o General Cáceres não estava disposto a admitir a existência dentro da arma de um setor político interno inclinado a empreender ações de insubordinação como forma de articulação de interesses.
Tenemos un Ejército que busca estar unido, cohesionado, para ser el aval de las instituciones y del orden de la República, porque si no, un Ejército que está en estado deliberativo y anarquizado, únicamente va a servir para agraviar a la República [...].966
Isto é, Cáceres rejeitava todo tipo de ato que atentasse contra a hierarquia interna e era consciente de que o objetivo de fundo de Seineldín era dirigir o Exército. Supunha que Seineldín voltaria a consumar outros atos de rebelião para alcançar esse objetivo. Em função disso, se propôs como meta principal normalizar e estabilizar a situação interna do Exército e restaurar imediatamente a linha hierárquica e de poder, o que implicava, segundo considerava, a exclusão dos carapintada das alas da arma.
Para isso, o General Cáceres contava com o firma respaldo do governo. Um dia depois de assumir o cargo, Menem se pronunciou a favor da transferencia para a reforma de Seineldín e de Aldo Rico, ao mesmo tempo que o ministro de Defesa Ítalo Lúder esclareceu que não existia espaço para nenhum tipo de briga interna no Exército e que os objetivos de sua pasta passavam centralmente pela unidade das Forças Armadas, o restabelecimento da sua disciplina interna, sua subordinação ao poder político e a obtenção de um nível operativo melhor.967 Não havia dúvidas de que o objetivo do governo era desarticular a presença carapintada do interior da arma.
No 12 de julho, em seu discurso ao assumir a titularidade do EMGE, o General Cáceres, depois de exigir ao poder político "soluções para as seqüelas da guerra contra a subversão e da guerra do Atlântico Sul", prometeu "fechar feridas internas".968 Sua meta era terminar rapidamente com esse conflito passando para a reforma uma dezena de oficiais carapintada -dentre eles, a Rico e a Seineldín- e sancionando severamente a uns trinta a mais desse setor. Para o resto dos quase 1.900 quadros envolvidos nas três rebeliões anteriores e que, por esse motivo, achavam se processados, com sumários iniciados ou sancionados administrativamente, Cáceres propôs uma anistia ampla.969 Com este sentido, no dia 18 desse mês, o ministro Lúder ordenou a Cáceres estudar caso por caso todos os implicados naqueles fatos de modo a estabelecer o grau de responsabilidade que haviam tido. Na ocasião, o ministro disse que o governo resolveria a questão militar antes do fim do ano.
No entanto, em relação com este tema, dentro do ministério de Defesa existiam profundas diferencias entre seu titular e o secretário da pasta, Humberto Romero. Para este último, a resolução do problema interno no Exército devia ser resolvido mediante um acordo entre os setores em conflito, isto é, entre a direção da arma e os carapintada. Para Lúder, em troca, esta estratégia supunha legitimar ao setor rebelde e reconhecer lhe uma hierarquia interna semelhante à do EMGE, o que, em sua opinião, configurava uma violação da verticalidade militar. Ele partidário de uma ampla anistia, mas pretendia consolidar a Cáceres como chefe da arma e erradicar desta os carapintada. Em função destas profundas diferencias, no meados de agosto, Romero viu-se obrigado a abandonar o cargo, com o qual os carapintada perderam um interlocutor na pasta de Defesa.970
Pois bem , neste contexto, no 6 de outubro, o governo nacional promulgou o já comentado decreto 1.004/89,971 através do qual o presidente Menem indultou a todos os militares, membros de forças de segurança e civis com sumário, sancionados e/ou processados como conseqüência das infrações e delitos perpetrados durante sua participação nas três rebeliões carapintada. Em total, foram beneficiados 174 militares e civis, dos quais 97 pertenciam ao Exército, 9 à Força Aérea, 63 à Prefectura Naval Argentina e 5 eram civis. Dentre eles destacavam-se os Tenientes Coroneles Aldo Rico, Arturo González Naya, Ángel León, Héctor Álvarez de Igarzábal, Enrique Venturino e Armando Valiente e o Capitán Gustavo Breide Obeid, todos membros do grupo rebelde que conduziu os dois primeiros levantamentos carapintada. Também foram indultados o Coronel Mohamed Alí Seineldín e o major Hugo Abete, que eram os únicos dois chefes militares do Exército que tinham sido processados por motim no âmbito da justiça militar, como conseqüência de sua intervenção no levantamento de Villa Martelli. Além disso foram indultados o Sp. Raúl de Sagastizábal e os restantes 62 membros do grupo Albatros pertencente à Prefectura Naval Argentina, que tinham se levantado em conjunto com Seineldín em dezembro de 1988. Finalmente completaram a lista nominal de beneficiados pela decisão presidencial os mais de cem quadros do Exército que estavam sancionados e/ou processados por sua intervenção nas duas primeiras rebeliões, assim como também o Comodoro Luis Estrella, outros oficiais da Força Aérea e alguns civis que tinham formado parte do grupo que ocupou o Aeroporto metropolitano Jorge Newbery durante o levantamento de Monte Caseros.
Nos fundamentos do mencionado decreto, o governo especificou que as referidas rebeliões só tinham constituído "manifestações do estado de tensão existente em diversos setores da sociedade", com o que tentava se atenuar a gravidade institucional e política de tais fatos. O governo aduziu, além disso, que seu objetivo era levar a cabo "todas as ações necessárias a fim de preservar a união, a paz e o bem-estar para todos os habitantes", de modo a "favorecer a pacificação dos espíritos mediante a superação dos ressaibos que pudessem perpetuar os enfrentamentos que ameaçaram dividir ao povo". Na consideração governamental, a manutenção das causas abertas por aqueles fatos demandaria um tempo que era incompatível com "o grau de certeza que deve ter o pessoal envolvido respeito de suas possibilidades profissionais futuras". Em função disso, era necessário -dizia-se- a conclusão e cancelamento definitivos dessas causas. Finalmente, se assinalou que os indultos adotavam-se sem prejuízo das medidas administrativas e disciplinares que poderia adotar a direção da arma contra os militares envolvidos naqueles acontecimentos, sempre que se respeitasse o sentido do decreto em questão.
Esta era, em definitiva, a prometida solução menemista ao problema militar. Com isso, pretendia resolver o conflito que tinha estado presente no interior do Exército desde abril de 1987. Porém, conhecida a medida, foi o General (R) Ríos Ereñú, chefe do Exército em ocasião do primeiro levantamento carapintada, quem refutou com veemência as declarações do ministro Lúder, nas que, em sintonia com os fundamentos do decreto 1.004/89, afirmava que as anteriores rebeliões tinham configurado um problema menor pelo qual nenhum militar comprometido nesses fatos deveria abandonar sua carreira profissional. Na opinião do general, os levantamentos carapintada não constituíram uma falta disciplinar interna mas um verdadeiro ato de rebelião, isto é, "uma evidente agressão à Constituição Nacional, às leis e regulamentos militares, ao sistema político que emerge da Carta Magna, às autoridades que no estado de direito imperante representam a livre vontade dos cidadãos".972
Estas percepções encontradas, somadas à "anistia administrativa" através da qual foram deixadas de lado as medidas e sanções disciplinares que estavam se aplicando a numerosos quadros do Exército envolvidos nas referidas rebeliões, indicaram que o conflito interno estava longe de ser resolvido, dado que os carapintada continuavam formando parte ativa da arma e, em alguma medida, continuavam contando com o aval do governo. Uma manifestação clara disso a constituiu a assinação de um novo destino -a Brigada de Infantaria 5 de Tucumán- para o Major Abete, aquele que durante o levantamento de Villa Martelli tinha ocupado pela força o Regimento de Infantaria 6 de Mercedes e o tinha conservado sob seu controle durante cinco dias.
Por sua vez, no 8 de outubro, isto é, dois dias depois da promulgação dos indultos, o presidente Menem manteve uma longa reunião com o Coronel Seineldín na casa de campo presidencial situada em Olivos. Durante o encontro, o militar indultado elogiou a medida, destacou a "valentia e generosidade" presidencial e indicou lhe ao mandatário que ia contribuir com a "coesão das Forças Armadas".973 Desta maneira, Menem, não só legitimou ao setor dissidente como um componente institucional da arma e como porta-voz da demanda de solução política aos militares processados, sancionados e condenados por sua participação na luta contra a subversão e nas rebeliões mas também consolidou a expectativa de que os carapintada ainda tinham a possibilidade de ter um papel importante na vida institucional do Exército. Assim o interpretaram tanto estes quanto os chefes da arma, situação que não deixou de realimentar a confrontação aberta existente entre ambas instâncias. Também, sob a ótica institucional, o gesto presidencial sentou um precedente grave, dado que o chefe de Estado considerava um interlocutor válido ao chefe do setor político do Exército que tinha protagonizado três rebeliões contra seus superiores e contra as autoridades constitucionais e o fazia em forma inconsulta respeito da direção dessa força, que estava em mãos de um setor acentuadamente pró-institucionalista e contrário a todo ato de indisciplina. Ambos setores exigiam ao poder político o fim dos juízos e os indultos em favor dos ex-comandantes, mas os distinguia a modalidade de canalização dessa demanda e os enfrentava o fato de que Cáceres procurava a exclusão carapintada do Exército e Seineldín procurava formar parte do EMGE.
Pois bem, assim como se viu em outro capítulo, estes indultos permitiram o encerramento do processo de revisão judicial do passado cuja conflitante dinâmica tinha determinado desde 1983 o percurso das relações cívico-militares. Com isto, Menem conseguiu estabilizar seus vínculos com as Forças Armadas e consolidou a subordinação castrense a sua gestão. Desde aquele momento, a reivindicação militar a favor de uma saída política aos juízos em curso começou a perder entidade e foi ficando, de certo, superada. A respeito, só restava obter o perdão presidencial em favor dos ex-comandantes condenados. Mas o governo já tinha anunciado publicamente que estava disposto a implementar uma segunda leva de indultos que contemplasse aquele pedido. Por outro lado, os primeiros indultos também significassem um claro sinal de contenção e aproximação institucional de Menem às Forças Armadas. Tanto os fardados quanto a classe política, longe de interpretar que a medida tinha sido uma conquista carapintada ou que tinha resultado da pressão castrense sobre o governo, a entenderam como uma decisão política do presidente com a intenção de resolver aquela conflitante herança e a desarticular o único fator unificador do discurso militar, isto é, a demanda de uma saída política aos juízos.
Naquele momento, a prioridade do governo peronista esteve centrada na necessidade de conter o colapso econômico desencadeado em meio da feroz hiperinflação que tinha estourado no começo de 1989 e que tinha obrigado ao governo de Raúl Alfonsín a adiantar seis meses a entrega do poder presidencial. Para isto a administração menemista objetivou resolver a profunda crise fiscal e reorientar a economia local a partir de um modelo de reconversão capitalista implementado sobre a base da desregulação dos mercados e da economia em geral -ou, antes bem, da reconfiguração do quadro de regulação econômica do Estado-, do aprofundamento do processo de abertura externa do mercado de bens e serviços, da acelerada reforma do aparelho estatal através da privatização do conjunto das empresas públicas -produtoras de bens e serviços-, da reorganização administrativa e do ajustamento e racionalização do pessoal.974 Tratou-se, pois, de uma política que tendia a refuncionalizar o Estado e gerar condições de governabilidade que permitissem redefinir os lineamentos gerais da economia local, para o que, entre outras questões, foi fundamental a reformulação do modelo de inserção internacional -mundial e regional- da Argentina e, de acordo com isso, de sua política externa em função de potenciar a capacidade de intervenção e negociação comercial e financeira do país. Neste contexto, a orientação militar menemista não foi mais que um reflexo instrumental disso e, em particular, dos lineamentos de sua política exterior derivada das metas macroeconômicas estabelecidas.
Pois bem, desde os primeiros indultos, o mandatário peronista contou com um considerável margem de manobra e com um elevado grau de controle sobre as Forças Armadas. Porém, estava ainda sem resolver o candente conflito interno do Exército. As indefinições governamentais e a persistência de uma política de equilíbrio entre os carapintada e o EMGE, dissipavam aquelas condições favoráveis com que contava o governo para acabar com tal questão.
No fim de outubro, o governo decidiu colocar um ponto final a esta situação. No dia 20 desse mês, o General Cáceres, sobre o fundamento da análise que vinha fazendo a Junta de Qualificações de sua arma acerca dos quadros envolvidos nas rebeliões carapintada e com a intenção de não ceder na briga com eles, passou para a reforma ao Tenientes Coroneles Aldo Rico e Arturo González Naya e aos Capitanes Martín Sánchez Zinny, Eduardo Morello e Ernesto Larramendi.975 Também, o 1 de novembro, reformou ao Coronel Seineldín e a outros 19 oficiais carapintada que tinham participado das rebeliões protagonizadas por este setor, dentre os que se destacavam os Tenientes Coroneles Enrique Venturino, Santiago Alonso, Darío Fernández Maguer, Luis Polo, Gustavo Martínez Zubiría, Ángel León, Osvaldo Tevere e Héctor Álvarez Igarzábal, os Majores Jorge Jándula, Hugo Abete, Jorge D'Amico e outros. Também pôs em disponibilidade a 5 chefes militares leais cujas unidades, durante a última rebelião, tinham sido ocupadas pelos rebeldes e dispôs os arrestos, que iam desde 1 a 60 dias, para os 435 oficiais e para os mais de 1.300 suboficiais envolvidos nos mencionados levantamentos.976 Ao mesmo tempo, sancionou a Seineldín com 60 dias de arresto devido a que durante a rebelião de Villa Martelli tinha formulado "exigências anti-regulamentares contra a política militar do governo".
Não passou inadvertido para ninguém que essas medidas tinham o absoluto respaldo presidencial. A pesar do ambíguo da orientação seguida pelo governo para resolver o conflito interno do Exército, estas disposições refletiram a intenção de Menem de exercer o poder efetivo sobre as Forças Armadas, particularmente naqueles aspectos nos que a administração radical tinha fracassado. A partir deste momento, tanto o mandatário quanto Cáceres se inclinaram conjuntamente pela exclusão dos carapintada do Exército dado que entendiam que esta era a única alternativa para resolver a problemática existente.
No mesmo dia em que o EMGE anunciou as medidas regulamentárias adotadas, o presidente, em conjunto com o ministro Lúder e com o General Cáceres, reuniu-se com os integrantes da Junta de Qualificações do Exército e com 300 oficiais com mando de tropa nessa arma. No contexto de discurso cumprido, Menem assinalou que seu governo tinha oferecido "uma solução integral para o problema militar", com a intenção de alcançar o "objetivo da pacificação", embora, na verdade, a Argentina não estivesse atravessando por nenhuma guerra. De todos modos, remarcou que, para obter essa pacificação era necessário "fechar o capítulo absurdo da divisão cruel entre todos os argentinos" e convocou a seus ouvintes a que participem do "heroísmo da reconciliação nacional". Com isso, não só fazia referência à situação política interna dessa força, mas também ao acontecido durante os anos '70 e durante a última ditadura.
[...] Vengo a poner de pie al glorioso Ejército Argentino para que se convierta en un ferviente defensor de las instituciones de la Nación [...]. A partir de este momento, hay un solo, único, exclusivo y excluyente Ejército.977
Também, seguindo uma veta discursiva exacerbadamente elogiosa para os fardados e levando em conta que a crise econômica e social era ainda persistente, Menem repetiu, assim como o tinha feito em outras ocasiões, que o Exército devia ter um papel fundamental na defesa da estabilidade institucional.
[...] el Ejército debe prepararse y capacitarse para cumplir su rol dentro de las instituciones de la Nación. [...] el Ejército Argentino, en el marco del poder político constituido, debe contribuir a la tranquilidad y estabilidad de las instituciones republicanas.978
Não se tratou, na verdade, de uma definição de menor importância. Pelo contrário, assinalava que para Menem as Forças Armadas deviam ter um papel institucional importante na segurança interna. Uns dias antes de que assumisse o presidente, o ministro de Defesa designado, Ítalo Luder, disse que não haveria de descartar "a possibilidade de que as Forças Armadas tivessem que participar na salvaguarda da ordem", dado que "a violência por ativismo" presta conta de que "a guerra moderna começa com a destruição da frente interna de cada país". Neste sentido, Luder propôs a modificação da lei 23.554 de Defesa Nacional para legalizar aquela intervenção e, dadas essas condições, a possibilidade de que as instituições militares pudessem produzir inteligência no que se referia à segurança interna.
Es preferible que [la inteligencia interna] la hagan institucionalmente, subordinadas al poder político, como debe ser, a que la hagan clandestinamente.979
Alfonsín tinha autorizado e solicitado às Forças Armadas a produzir inteligência interna através do decreto 327/89 e das instruções derivadas dessa norma, mas o tinha feito violando a lei 23.554. Ao passo que Luder pretendia que essa atividade fosse desenrolada legalmente. E isso estava em sintonia com a intenção presidencial de considerar as Forças Armadas como fatores de poder indispensáveis para solucionar qualquer tipo de conflito social que implicasse a ultrapassagem das forças de segurança.
No 1 de novembro, tanto o presidente Menem quanto seu ministro de Defesa confirmaram que estava em estúdio a formação de um esquadrão de movimento rápido dentro do Exército para intervir em caso de comoção política e social interna e para combater o narcotráfico e fazer frente à ação de grupos terroristas, a cuja frente poderia ser nomeado Seineldín.980 Alguns dias depois, Menem inclusive elogiou ao militar carapintada.
Seineldín fue dado de baja por el Ejército, pero no por el pueblo argentino. Le pertenece al pueblo y si el gobierno necesita de él va a requerir sus servicios.981
A pesar de que Menem tivesse escolhido reordenar a situação interna do Exército através da figura de seu chefe militar, o General Cáceres, as mencionadas manifestações confundiam o panorama e aprofundavam a situação de conflito existente entre a direção do EMGE e os carapintada.
Entretanto, o General Cáceres continuou com sua política de recomposição institucional da arma. Sua prioridade estava centrada na definitiva desarticulação da presença carapintada dentro da força e a restauração da disciplina interna.
[...] lo que no podemos aceptar es que haya demostraciones de violencia, de amenaza y, especialmente, amenazas de una conducción paralela, porque eso no se puede aceptar en ningún Ejército [...]. Aquellos individuos que [...] persistan en una actitud de enfrentar a la autoridad, no sujetarse a las jerarquías, de no insertarse en la organización vertical y disciplinaria que es el Ejército [...], les va a costar caro, constituirán antecedentes desfavorables y serán eliminados del Ejército [...] Hay que salvar al Ejército porque si no puede perturbar, con su indisciplina y su actitud deliberativa, la tranquilidad de la Nación.982
Esta preocupação constituiu também uma clara mensagem ao poder político. A reforma dos principais chefes carapintada do Exército tinha sido um passo chave para Cáceres, mas a possibilidade de que se criasse um grupo militar especial para combater contra o narcotráfico sob as ordens de Seineldín constituía um sério obstáculo para consolidar sua posição na frente da arma. Nesse sentido, declarou que era desnecessária a criação de uma unidade com essas caraterísticas. Disse que a "luta contra a droga" era uma responsabilidade primordial das "forças policiais e de segurança", às que considerou como "suficientemente equipadas e instruídas" para enfrentar tal desafio. Além disso, assinalou que aquilo poderia significar a formação de uma força militar contrária à vida institucional democrática, ou seja, que poderia fazer "perigar a estabilidade das instituições ou entremeter-se nos atos políticos do governo ou na ação política dos cidadãos".
No me parece conveniente constituir una especie de fuerza especial porque sabemos -y hay sobrados ejemplos en el mundo- de que después degeneraron en otras cosas, para peligro de los mismos pueblos que las organizaron [...].983
Por falar nisso, Cáceres recusou a formação de um grupo antinarcotráfico dirigido por Seineldín, mas não a possibilidade de que o Exército por ele conduzido interviesse em assuntos de segurança interna e assumisse a função de defesa das instituições democráticas, assim como o expressou durante a Conferência de Exércitos Americanos levada a cabo esse ano em Guatemala.
[...] Es necesario que los ejércitos busquen asegurar las libertades esenciales de los pueblos, respetar la voluntad popular, enfrentar las amenazas que intenten subvertir los sistemas de gobierno y de vida de nuestros pueblos; contribuir a la consolidación de la estabilidad de las instituciones que cada país establece en sus respectivas constituciones y leyes.984
Nessa oportunidade, Cáceres completou sua exposição dizendo que considerava "necessária" a intervenção militar na luta contra o narcotráfico, mas apenas de modo a apoiar às forças policiais e de segurança em "períodos limitados" e quando essas forças fossem superadas por aquela ameaça.
Esses papeis contrariavam o conteúdo da lei 23.554 nas que as Forças Armadas tinham ficado instituídas como "instrumentos militares" da defesa nacional e não como forças dedicadas funcionalmente à defesa das instituições democráticas. No entanto, aquela idéia, a pesar de sua ilegalidade, era coincidente com o enfoque presidencial de projetar as Forças Armadas como fatores de poder subordinados a seu mandato.
Neste contexto, e considerando que a ainda presente crise social contribuía a consolidar a intenção presidencial de contar com um aparelho militar preparado para solucionar situações de comoção interior, os chefes militares mostraram-se dispostos a projetar-se como garantes da institucionalidade democrática e, nessas situação, a intervir em assuntos de segurança interna, mas sempre que fosse modificada a legislação em vigor, já que o faziam reivindicando a vigência plena do regime constitucional.
No fim do ano, o comandante da Marinha, Almirante Ferrer, ressaltou a necessidade de respaldar "por todos os meios" o sistema democrático. Nesses dias, o titular da Força Aérea, Brigadier Juliá exortou publicamente aos cidadãos a finalizar com "a desconfiança e a briga entre setores" e a consolidar a democracia em torno de quem "for de nosso agrado ou não for, é o presidente da Nação".985 Por seu lado, no 29 de dezembro, o General Cáceres enviou um radiograma longo a todas as unidades de sua arma expressando que a "luta entre setores" poderia desembocar em "estados anárquicos e de dissolução", embora reconhecesse que a solução a esse problema era "própria do âmbito político, dos partidos políticos, dos dirigentes políticos".
El Ejército ve con preocupación esta situación; ve con preocupación la corta visión de muchos hombres que para satisfacer ganancias materiales o alcanzar espacios de poder político van a echar por tierra todo el esfuerzo que se ha hecho en la Argentina para buscar reencontrarse dentro de un sistema de vida y de gobierno que todos hemos elegido.986
Nesse sentido, Cáceres solicitou a seus subordinados que acompanhassem e fossem solidários com "nosso povo" e colocou o Exército como garante de sua liberdade.
Lucharemos contra toda amenaza a sus libertades [las del pueblo], porque pese a estar debilitados materialmente, el coraje y el estoicismo están vivos en nuestros espíritus [...]. Pese a las penurias económicas, a la falta de recursos, a la pobreza de actividades profesionales, hemos vivido aplicando todos nuestros esfuerzos a mantener viva nuestra profesión, hemos respetado la Constitución y las leyes; pese a agresiones, a desconfianzas, a desentendimientos, hemos conservado la serenidad propia de los espíritus que se sienten fuertes y seguros de la noble causa de contribuir a la paz y tranquilidad de los argentinos [...]. Reafirmamos nuestra convicción en la necesidad de mantener el sistema de vida y de gobierno que el pueblo ha elegido para nuestra Nación.987
Pois bem; durante os primeiros meses do ano 1990, estes argumentos foram repetidos , em particular, pela chefia do Exército, que mostrou-se cada vez mais inclinada a viabilizar a intervenção de sua força em assuntos de segurança interna para fazer frente aos conflitos, saques e/ou levantamentos sociais derivados da crítica situação sócio-econômica pela que atravessava o país.
No 17 de janeiro o presidente Menem foi homenageado com um jantar oferecido pelo comando do Exército. Na ocasião, e sem a presença do ministro Luder quem não tinha sido convidado ao encontro, o General Cáceres informou ao mandatário que sua arma já contava com um plano operativo para intervir em caso de que tornassem a se produzir novos estouros e conflitos sociais como conseqüência da persistente crise econômica. O ministro do Interior, Julio Mera Figueroa, e o titular da SIDE, Juan Bautista Jofré, tinham informado que tais levantamentos eram possíveis e favoreceram a participação militar para fazer frente aos mesmos.988 De igual modo, no ato de comemoração do primeiro aniversário da ocupação do quartel de La Tablada, o titular do Exército reiterou sua disposição a que sua arma participasse da repressão de setores que, como disse, incitavam às "massas cidadãs a atos de violência", dado que, desde sua perspectiva, "o flagelo subversivo" tinha dotado uma "nova metodologia de ação insurrecional de massas com a presença de setores marginais da população". Para fazer frente a isso, Cáceres afirmou a necessidade de que as Forças Armadas participassem da repressão de "quem [...] procuram empurrar às massas cidadãs a atos de violência e de destruição da ordem institucional estabelecida", contribuindo, "pela dissuasão ou pela ação estritamente necessária a manter os sistemas de vida e de governo que temos escolhido".989
Para Cáceres as "novas formas da subversão" supunham a ação de elementos que, atuando em um contexto de profunda crise social, desenrolariam "ações de violência" com a intenção da "destruição da ordem institucional estabelecida". Nestes termos e a partir desta interpretação, propôs reiteradamente a participação do exército na eliminação dessa ameaça e, assim, pretendeu projetar sua arma como garante do sistema institucional democrático. Mas, para isso, exigiu que essa participação ficasse juridicamente avalizada.
Esta idéia de "luta anti-subversiva" era coincidente com os objetivos propostos pelo governo com relação à intervenção militar em assuntos de segurança interna, em um cenário marcado por um novo pico hiperinflacionário, durante os primeiros meses de 1990, e de uma estendida crise social. Aquela intervenção militar era vista pelo oficialismo como um instrumento viável para enfrentar essa crise.
Naqueles dias, e coincidindo com a renúncia de Luder como ministro de Defesa e sua substituição por Humberto Romero, o governo tinha começado a avaliar a possibilidade de modificar a lei 23.554 de modo a legalizar a ingerência permanente das Forças Armadas nos assuntos de segurança interior, tal como o reclamava o General Cáceres.990 Essa possibilidade tinha sido repetidamente anunciada tanto por Luder quanto por Romero. Ao contrário do o estabelecido na plataforma eleitoral do PJ para as eleições presidenciais de 1989, mas em sintonia com a concepção menemista de considerar as Forças Armadas como "fatores de poder", no 16 de julho, isto é, uma semana depois de ter assumido como vice-ministro de Defesa, Romero já tinha indicado a necessidade de modificar a legislação vigente em matéria de defesa com o fim de habilitar a participação militar em assuntos de segurança interna.
[...] la ley de Defensa debe ser modificada. El Ejército y las fuerzas [armadas] están para cubrir otras funciones, pero hay algunos detalles de la ley de Defensa que a veces complican la toma de decisiones [...].991
No começo de fevereiro de 1990, o governo anunciou publicamente que analisava a possibilidade de modificar a lei 23.554, embora, na verdade, considerasse difícil o tratamento parlamentar dessa medida porque eram poucos os legisladores que se manifestavam abertamente a favor dessa opção.922 Por seu lado, Cáceres assinalou a necessidade de que também se introduziram reformas no Código de Justiça Militar de modo a lograr que as sentenças não fossem revisadas pela justiça civil.993 Com isso, preparava-se o terreno para a intervenção militar em conflitos internos, particularmente, para enfrentar ameaças derivadas de conflitos sociais generalizados. No 21 de fevereiro, depois de que durante essa jornada se produzissem numerosos saques de mercados das cidades de Rosario e Córdoba, Cáceres ratificou sua subordinação às autoridades governamentais e assinalou que sua arma estava disposta a manter "a paz social".
[El Ejército] esta sujeto al poder político y acatará las indicaciones del Poder Ejecutivo para que, por la disuasión o la acción, se mantenga la paz social.994
Esse mesmo dia, conheceu-se publicamente um informe secreto da chefia de inteligência do Exército que tinha sido distribuído em todas as unidades da arma e no que se fazia uma pormenorizada avaliação da situação social do país e dos eventuais conflitos que poderiam produzir-se nesse contexto. No entanto, nesse informe o único que se fazia era identificar aos chamados "oponentes", avaliar suas "capacidades e fraquezas", estabelecer critérios gerais para a "reunião de informação" e para as "atividades de execução". Esses oponentes eram, segundo dizia o informe, a "direita cívico-militar" -que era o setor carapintada-, a "esquerda revolucionária" -que eram os setores e partidos de esquerda marxista e a esquerda peronista- e a "esquerda renovadora" -a esquerda radical e a renovação peronista-. Além disso, no texto se colocava à própria arma como "fator de ordem e sustento constitucional".
El estado espiritual y moral del personal militar se encuentra directamente influido por diversas presiones psicológicas que tratan de afectarlo, constituyendo éste un aspecto de significativa importancia en el establecimiento de actitudes acordes a las necesidades de la conducción. Sectores filomarxistas actúan en el contexto psicosocial para crear las condiciones favorables a una eclosión social, procurando concomitantemente exacerbar tensiones dentro del ámbito militar, con la finalidad de desestabilizarlo y anularlo en cuanto al factor de orden y sostén constitucional. Asimismo, elementos militares desplazados, políticos y comunicadores afines, intentan quebrar la estructura institucional, para poder aprovechar así una posible crisis político-social y materializar sus objetivos políticos desde el poder militar [...].995
Em definitiva, mais que um plano de ação para a solução de conflitos sociais delimitados e generais, tratava-se de um informe destinado a identificar aos adversários políticos da direção do Exército e ao estabelecimento de parâmetros generais para o desenvolvimento de atividades de inteligência política interior, o que confirmava a idéia daqueles dirigentes do oficialismo e opositores que afirmavam que a modificação da lei 23.554 significaria a legalização do intervencionismo político das Forças Armadas e a remilitarização da segurança interna.
Neste contexto, levando em conta a segura recusa parlamentar a qualquer iniciativa que tendesse a modificar a lei de Defesa Nacional e perante o aprofundamento da situação de conflito político-social derivada da hiperinflação desencadeada naqueles meses, no 26 de fevereiro, o presidente Carlos Menem promulgou o decreto 392/90996 através do qual modificou o decreto 327/89 oportunamente promulgado por Alfonsín e ampliou a competência funcional do mesmo à prevenção e solução de "fatos que constituam um estado de comoção interna". Mediante a mencionada norma estabeleceram-se "os fundamentos orgânicos e funcionais para a preparação, execução e controle das medidas adequadas para previr e conjurar a formação ou atividade de grupos armados que tenham aptidão para pôr em perigo a vigência da Constituição Nacional, ou atentar contra a vida, a liberdade, a propriedade ou a segurança dos habitantes da Nação, como também na suposição de fatos que constituam um estado de comoção interior de gravidade tal que ponham em perigo os bens mencionados precedentemente". Para isso, o presidente da Nação devia receber o assessoramento do Conselho de Defesa Nacional criado pela lei 23.554 e devia ser assistido pelo "Comitê de Segurança Interna", integrado pelos ministros de Defesa e do Interior, o Chefe do Estado Maior Conjunto e o Secretário de Inteligência de Estado. Também, e com a intenção de prever a produção de fatos assinalados acima, se estabeleceu que o Comitê de Segurança Interior poderia "confeccionar planos que fizessem compatíveis as eventuais ações conjuntas das Forças Policiais, Forças de Segurança e Forças Armadas", do mesmo modo que também poderia "requerer a colaboração dos organismos integrantes do Sistema Nacional de Inteligência".
Deste modo, o governo facultou às Forças Armadas a intervir em situações de comoção interior, com o qual terminou-se de cercear o impulso desmilitarizante da segurança interna que tinha se conseguido com a promulgação da lei 23.554. Além do mais se gerou uma situação legal e institucional contraditória, dado que, enquanto a lei 23.554 proibia taxativamente a intervenção operativa e de inteligência das Forças Armadas em assuntos de segurança interna, os decretos 83/89, 327/89 e 392/90 autorizavam e dispunham essa intervenção. Isto, por sua vez, era contraditório pelo fato de que alguns dirigentes, como o deputado peronista e presidente da comissão de Defesa da câmara baixa, Miguel Ángel Toma, reiterando argumentos já explicados durante o debate que antecedeu à sanção da lei 23.554, ressaltava que o presidente da Nação, em caso de necessidade, estava constitucionalmente habilitado para empregar as Forças Armadas com o fim de neutralizar situações de comoção interior.
Me parece un tanto extraño que aparezca un decreto de características totalmente declarativas porque, en definitiva, el artículo 36 de la Constitución Nacional faculta al Presidente a que disponga, en su calidad de comandante en jefe de las Fuerzas Armadas, para todo aquella que considere necesario.997
No entanto, para oposição, o mencionado decreto violava a lei 23.554, tal como o sintetizaram os deputados da Democracia Popular (DP), Alberto Aramouni e Matilde Quarracino.
Ello constituye una flagrante violación de la ley de Defensa, que en su artículo 15 prohibe expresamente a las Fuerzas Armadas intervenir en cuestiones relativas a la política interna.998
Com esse mesmo tom, o dirigente socialista Héctor Polino também afirmou que a decisão presidencial era "a resposta do Poder Executivo ao inevitável conflito social que provoca a atual política econômica".
Constituye un tremendo error volver a sacar a las Fuerzas Armadas de sus funciones específicas, en abierta contradicción con la letra y el espíritu de la Constitución Nacional, para convertirlas en represoras de la protesta social.999
Na verdade, a expressa recusa do radicalismo e de numerosos legisladores do oficialismo a modificar a lei 23.554 tinha obrigado ao governo a autorizar essa intervenção através de um decreto. Mas a resposta dada por Menem ao tema esvaziou de conteúdo a oposição do radicalismo à iniciativa presidencial, dado que esta não era mais que uma ampliação do decreto 327/89 mediante o que Alfonsín, apenas um ano antes, tinha permitido a ingerência militar em assuntos de segurança interna. A bem da verdade, ambos mandatários haviam dado respostas semelhantes perante situações análogas.
Então, a pressão militar a favor da participação castrense em assuntos de segurança interior parecia haver tido sucesso. A resposta institucional oferecida pelo General Cáceres à polêmica aberta como conseqüência da promulgação do decreto não se fez esperar e, em um radiograma enviado a todas as unidades de sua arma, afirmou que o Exército, perante a grave crise social, só atuaria "dentro do contexto institucional" e em cumprimento de "ordens claras e expressas que possa dar- lhe o poder político". E o mais surpreendente foi que Cáceres pretendeu fundamentar essas afirmações reivindicando a ação militar do passado autoritário.
Frente a los grandes desencuentros nacionales, [el Ejército] tributó siempre su cuota de sangre y sacrificio. Cuando el marxismo internacional agredió a la Nación en su conjunto, lo derrotó en cumplimiento de un imperativo moral y del clamor de su pueblo, y de la orden impartida por un gobierno constitucional, adaptándose sobre la marcha de las exigencias de un nuevo tipo de guerra que le fue impuesta por un enemigo particularmente cruel [...] Las particularmente difíciles circunstancias que vive la Patria hoy son consecuencias naturales de muchos años de desencuentros estériles y todos debemos comprender que en la defensa de sus instituciones fundamentales se asienta la defensa de su propia identidad. El Ejército continuará tributando, como siempre lo ha hecho, su sacrifico en defensa de la Patria, de sus leyes, de sus instituciones y de su pueblo. Sólo actuará dentro del marco institucional amparado en las normas constitucionales, legales y reglamentarias que enmarcan y protegen su accionar, y en cumplimiento de las claras y expresas órdenes que pueda impartirle el poder político. El Ejército está, una vez más, absolutamente preparado y dispuesto para cumplir con su deber. Sin precipitaciones pero con firmeza [...].1000
Aos poucos dias, o ministro do Interior, Julio Mera Figueroa, manifestou que o governo não contemplava nenhuma "hipótese de conflito interno" que implicasse a possibilidade de utilizar as Forças Armadas, embora reconhecesse que isso seria factível em caso de ser necessário. Ratificou a plena vigência do decreto 392/90 e afirmou que não era anticonstitucional.1001
O fato de que aquele decreto estava plenamente vigente foi demonstrado poucos dias depois. Nessa oportunidade, o EMGE e os comandantes de corpos ordenaram aos chefes de unidades instruir a seus subordinados para intervir em eventuais operações de segurança interna decididas pelo poder executivo. Essas ordens apoiaram-se na aplicação do Regulamento RE 10-51 que continha as Instruções para Operações de Segurança. Esse regulamento, claramente inscrito na DSN, tinha sido aprovado em dezembro de 1976 pelo governo ditatorial do General Videla de modo a regular as ações consumadas pela Forças Armadas durante a repressão ilegal.
[Operaciones de seguridad] son las que desarrollarán las fuerzas legales con la finalidad de separar a la población de los elementos subversivos, restablecer el orden, asegurar lo recursos, los bienes públicos y privados, y mantener el funcionamiento de los servicios públicos esenciales. Estarán dirigidas a la fiscalización de la población y a la protección de objetivos físicos trascendentes para la comunidad (servicios públicos, infraestructura básica, etc.).1002
No 21 de março, o General Cáceres morreu depois de ter passado uma semana de agonia como conseqüência de um derrame cerebral. Nesse mesmo dia, o governo designou como novo chefe do EMGE a quem vinha se desempenhando como subchefe da arma, o General Félix Martín Bonet e, no lugar que ficava vacante foi nomeado o General Martín Balza. Ambas designações refletiam a intenção oficial de dar lhe continuidade à orientação institucional traçada por Cáceres, orientação com a que estes chefes tinham estado claramente comprometidos.
6.3) O último levantamento carapintada.
A reforma forçada de Seineldín e dos principais chefes tinham deixado em claro que o governo tinha escolhido consolidar na direção da arma ao General Cáceres. No fim de 1989, era evidente que Menem, não somente tinha descartado a possibilidade de que os carapintada formassem parte da direção da arma, mas também que avalizava a decisão de Cáceres de expulsar definitivamente da corporação aos oficiais que aderiam a esse setor e de cercear qualquer tipo de influência residual que pudesse exercer Seineldín sobre os quadros do Exército.
Tudo indicava que Seineldín e seus seguidores tinham sido internamente derrotados e isso tinha os obrigado a mergulhar em uma intensa vida política dentro e fora dos quartéis. No 11 de novembro de 1989, rico e Seineldín dirigiram uma classe pública de ginástica nos bosques de Palermo da que participaram mais de 500 quadros militares que formavam parte do setor carapintada.1003 No 2 de dezembro, um centenar de fardados identificados com o setor participaram de uma missa organizada em honor dos camaradas que tinham intervido no levantamento de Villa Martelli. Aí, Aldo Rico afirmou que o Exército encontrava-se na "indigência", "inativo pela falta de projetos institucionais" e "isolado da sociedade", e assinalou que na Argentina reapareceria o fenômeno "subversivo".
[...] nuevamente va a ver subversión armada en la Argentina [...]. Creemos que viene una ofensiva del narcoterrorismo y del terrorismo en toda América Latina.1004
Este diagnóstico e a conseqüente proposta da necessidade de que as Forças Armadas interviessem na eliminação desse tipo de ameaças era dividido com a condução da arma. Também compartilhavam outros aspectos como a demanda pela falta de recursos orçamentários e institucionais, a exigência em favor de um indulto que beneficiasse aos ex-comandantes condenados e a reivindicação da empresa da Malvinas. Isso indicava, então, que o único que os enfrentava era o objetivo carapintada de dirigir a arma. Isto ficou claramente expressado quando no final daquela missa, Rico manifestou que Seineldín devia conduzir o Exército porque era "o melhor soldado da Pátria".1005
Assim, mediante este tipo de atos e gestos, os carapintada tentaram pressionar ao governo para que dirimisse a seu favor o problema que persistia entre eles e o EMGE, embora, em verdade, isso acabasse inclinado a vontade presidencial para o General Cáceres e acelerou a determinação de exclui-los da arma. Menem e Cáceres tinham uma ampla margem de manobra para efetivar tal decisão dado que, logo após dos indultos, o presidente tinha obtido consolidar seu poder sobre os homens de armas. Por sua vez, naquele momento, era significativa a fraqueza política do setor carapintada. Percorrendo diversas unidades do país, Seineldín e seu estado-maior tinham enxergado que o grosso dos fardados da ativa que os seguiam era maioritariamente suboficiais. Só contavam com o apoio de alguns oficiais de muito baixa graduação.
Neste contexto, o líder carapintada lançou-se a conformar, segundo suas palavras, um "movimento nacional" apoiado em uma estrutura cívico-militar nutrida centralmente por insignificantes setores desconformes do sindicalismo peronista, alguns empresários pequenos e medianos e certos agrupamentos de menor porte do peronismo. Também formou uma equipe política ou "gabinete civil" constituído por intrascendentes referentes do conservadurismo vernáculo,1006 com a intenção, em soma, de projetar-se no cenário político nacional, único âmbito no que podia atuar depois de sua exclusão do Exército e levando conta da exígua adesão com que contava no interior da arma.
Por seu lado, para o General Bonnet era prioritário resolver a problemática interna seguindo a respeito a mesma linha de ação de seu predecessor, tal como o manifestou o 26 de março durante o ato em que assumiu como titular do Exército.
Existen quienes equivocando métodos asumieron actitudes reñidas con las leyes y reglamentos que rigen nuestra institución. La gran mayoría se mantiene en servicio activo, siendo depositarios de la oportunidad de sumar su vocación y esfuerzo al camino emprendido por la masa del Ejército Argentino [...]. Otros, una minoría, por la gravedad y la índole de las faltas cometidas, fueron separados de la filas o debieron dejar el servicio activo. Son algunos de éstos que, persistiendo en actitudes propias de iluminados, aún continúan intentando, mediante el empleo de métodos incompatibles, la desunión y el caos, atacando y tratando de desprestigiar a las jerarquías, tratando de subvertir la disciplina y la lealtad de los cuadros mediante la explotación de las necesidades básicas por la que está pasando la sociedad argentina a raíz de la difícil situación económica que vive el país [...]. No se permitirán ambigüedades ni desvíos, ni se tolerarán actos que puedan afectar la unidad y el prestigio del Ejército.1007
Transformando aquelas idéias em fatos, nesse mesmo dia, Bonnet sancionou ao Coronel (R) Seineldín com 20 dias de arresto a cumprir-se na província de La Pampa, pela difusão pública, alguns dias antes, de um documento no que o chefe carapintada tinha denunciado que "o exército estava confundido" e que, em caso de intervir em situações de comoção interior, poderia dividir-se em "frações encontradas".1008
A partir desta medida, o líder rebelde compreendeu que as possibilidades de projetar-se para a direção do Exército eram quase nulas. Com efeito, o objetivo carapintada de formar parte do EMGE tinha sido minuciosamente desarticulado por Menem. A Seineldín somente lhe restava a possibilidade de produzir um novo levantamento, embora, a essa altura dos acontecimentos, não fosse seguro que desse modo pudesse obrigar ao governo a ceder diante sua pretensão de formar parte da direção da arma. Tudo indicava que o nível de subordinação militar a Menem era amplo e isso cerceava a exígua capacidade de ação carapintada.
Seineldín decidiu passar à ofensiva e, no 20 de outubro, dirigiu lhe uma carta ao presidente da Nação na que dizia que a direção da arma não tinha cumprido o acordo selado em dezembro de 1988 logo após do levantamento de Villa Martelli e anunciou a iminente produção de uma nova rebelião.
[...] La falta interior de satisfacción y el estado de deliberación total que reina en todo el ámbito de la fuerza conllevan serios peligros para la disciplina del Ejército. En Villa Martelli se materializó un compromiso de honor entre el que suscribe y el entonces jefe del estado mayor, general José Caridi, con el general Cáceres en calidad de garante y los coroneles Tocalino y Díaz Loza como testigos. El acuerdo tenía como objetivo restablecer la unidad de la fuerza, pero fue quebrado desde su inicio: los mejores hombres del ejército argentino fueron separados de las filas o perseguidos administrativamente [...]. Conocedor del sentimiento nacional predominante en la fuerza, así como también de la disciplina a cuyo estudio he dedicado gran parte de mi vida, puedo asegurarle que es tal el espíritu que predomina en la masa de los cuadros, que están dadas las condiciones para que sucedan acontecimientos reivindicatorios del tal gravedad, que ni usted ni yo estamos en condiciones de precisar.1009
Como conseqüência disso, no 22 de outubro, o General Bonnet o sancionou a Seineldín com outros 60 dias de arresto a cumprir-se em Santa Rosa, província de Buenos Aires.
A tentativa de Seineldín de pressionar a Menem não tinha produzido efeito algum.. O presidente não estava disposto a reincorporar ao serviço ativo a Seineldín nem a nenhum de seus seguidores, mas também estava disposto a respaldar a exclusão total desse setor da arma, conforme a meta proposta pela direção do Exército. Desde aquele momento, convencidos desta situação, os carapintada decidiram produzir um novo levantamento militar, objetivando consolidar uma situação de força interna que obrigasse ao governo e à cúpula da arma a uma urgente negociação que supusesse a queda do generalato encabeçado por Bonnet.
Durante a madrugada do 3 de dezembro de 1990, diversos grupos de militares carapintada fortemente armados iniciaram uma nova rebelião ocupando violentamente o edifício Libertador que servia de sede do EMGE e que estava localizado frente à Casa Rosada assim como também o Regimento de Infantaria 1 "Patrícios" (Rl 1) localizado em Palermo, bairro da cidade de Buenos Aires, a fábrica de tanques do Exército TAMSE na localidade bonaerense de Boulogne e o Batalhão de Intendência 601 na localidade de El Palomar, também na província de Buenos Aires. Além disso, um centenar de efetivos conduzidos pelo Major (R) Pedro Mercado e formado somente por suboficiais, roubaram 14 tanques e veículos blindados pertencentes aos regimentos localizados nas cidades de Entre Ríos Villaguay e Concordia, e partiram para Buenos Aires. O mesmo aconteceu com alguns efetivos e unidades blindadas provenientes do regimento de Cavalaria de Tanques 2 da cidade de Olavarría na província de Buenos Aires.1010 Por seu lado, quase 120 integrantes da Prefectura Naval Argentina conduzidos pelo ex-sp.Raúl De Sagastizábal, o mesmo que tinha dirigido ao grupo rebelde de Albatros que tinha participado ativamente no levantamento de Villa Martelli, tentaram tomar por assalto os edifícios Guardacostas e Río de la Plata, pertencentes a essa força de segurança e localizados na zona portuária da Capital Federal, conseguindo o parcialmente devido à férrea resistência oferecida pelos fardados que custodiavam esses prédios.
Conhecidos estes acontecimentos, o presidente Menem, durante essa mesma madrugada, ordenou lhe ao chefe do EMGE a imediata repressão dos distintos focos de rebelião e a rápida recuperação das unidades e edifícios ocupados. Também instruiu ao chefe militar e ao resto dos funcionários governamentais para que não estabelecessem nenhum tipo de diálogo nem negociação com os sublevados, chegando inclusive a afirmar que ele não era "um novo Alfonsín". Ao Brigadier Juliá ordenou lhe que preparasse algumas unidades aéreas para ser eventualmente utilizadas na repressão dos rebeldes e ao Almirante Ferrer solicitou lhe que mobilizasse um centenar de infantes de Marinha. Ao início da tarde, reiterou a ordem de reprimir aos sublevados sem miramientos e impôs ao General Bonnet que cumprisse com essa ordem ao longo dessa mesma jornada.
Esto se tiene que terminar cuanto antes. Rápido y sin contemplaciones.1011
Ao longo do dia, Menem recusou diversas tentativas de negociação ensaiadas pelos rebeldes através de alguns altos funcionários do governo e inclusive de alguns dirigentes sindicais de fluentes vínculos com os carapintada. Em todas as ocasiões, o mandatário reclamou a rendição incondicional dos insurretos.
Nos quartéis de Palermo, o Rl 1 tinha sido ocupado por um centenar de carapintada conduzidos pelos Tenientes Coroneles Raúl Tevere e Antonio Pérez Cometto e os Majores (R) Hugo Abete e Jorge Mones Ruiz, os que, para isso, contaram com a colaboração do Coronel Enrique Baraldini, chefe do Distrito Militar "Buenos Aires", unidade localizada dentro das instalações de Palermo, quem rapidamente se pôs ao frente desse grupo. Às poucas horas de consumada a operação, e por ordem do General Bonnet, o Coronel De La Cruz, titular do Rl 1, em conjunto com o Teniente Coronel Hernán Pita e o Major Federico Pedernera, segundo chefe e chefe de operações dessa unidade, respetivamente, iniciaram as ações de recuperação das instalações ocupadas, respaldados por um contingente de quadros pertencentes a essa mesma unidade e ao Regimento de Granadeiros de Cavalo. Na tentativa, se produziu um enfrentamento armado do que resultaram feridos um Teniente Primero e dois suboficiais, enquanto que o Teniente Coronel Pita e o Major Pedernera, que tinham logrado ingressar ao Rl 1, foram fuzilados e mortos a balaços Aí também morreu o Cabo Primeiro carapintada Daniel Morales. Diante o fracasso da tentativa de recuperação da unidade, Bonnet ordenou o cesse da operação e decidiu estabelecer um cerco com as tropas disponíveis.
Este episódio rapidamente conhecido nos médios castrenses e na opinião pública, provocou uma reação generalizada contra os rebeldes tanto no governo quanto no próprio âmbito militar e neutralizou a possibilidade de que se produzissem as adesões esperadas pelos sublevados entre diversos setores críticos da oficialidade da força. Ao mesmo tempo, estas mortes não só fecharam definitivamente a possibilidade de entabular algum tipo de negociação entre os carapintada e o EMGE, mas também dispuseram às tropas leais a empreender uma ativa repressão sobre o foco rebelde.
Durante a manhã desse dia, o Major Abete deu a conhecer a proclama do levantamento e afirmou diante a prensa que o movimento iniciado não propunha-se produzir um golpe de Estado mas tratava-se de uma questão "interna" da arma. Ademais, acrescentou que os rebeldes somente reconheciam ao Coronel Seineldín como comandante do Exército.
Esta es la continuación de los otros tres levantamientos y hasta que no se solucione la situación interna de la fuerza esto va a seguir pasando [...]. Esto no es un golpe de Estado: nosotros respetamos la Constitución, pero desconocemos el generalato. El comandante legítimo del Ejército es el Coronel Mohamed Alí Seineldín.1012
No meio-dia, o General Martín Balza, subchefe do EMGE e encarregado de rodear e recuperar o Rl 1 de Palermo, fechou o cerco ao prédio com unidades blindadas e tanques pertencentes à X Brigada de Infantaria Mecanizada 3 de La Tablada. Por sua vez, frente à prensa, Balza indicou que já não havia margem alguma de negociação e explicitou em duros termos que o objetivo da direção da arma era derrotar definitivamente ao setor rebelde.
Esto, de alguna manera, era previsible. Pero esta vez somos nosotros los que vamos en serio. Ya nos cansaron [...]. Está en juego el destino de la República. Despacio, queremos arrinconarlos adentro a estos hijos de puta. Ahí es donde los vamos a agarrar.1013
Naquele momento, dada à evidente disparidade de forças existente a favor das tropas leais e sabendo da disposição destas a empreender ações militares de repressão, o Coronel Baraldini ordenou ao pessoal subalterno rebelde que se dispusesse a sair do quartel e se entregasse detento. Nas primeiras horas da tarde, só permaneciam em situação de rebeldia os oficiais chefes que formavam parte do estado-maior rebelde e uma dezena de suboficiais. Ao iniciar-se a tarde, Balza ordenou o começo das ações e encabeçou um ataque constante contra a unidade com fogo de artilharia pesada, morteiros e obuses, até que, depois de algumas horas, um conjunto de tanques e infantes leais retomaram a unidade e os rebeldes foram feitos prisioneiros.
Por sua parte, o edifício Libertador tinha sido ocupado durante a madrugada sem nenhum tipo de resistência por um grupo de 30 carapintada dirigidos pelo Capitán Gustavo Breide Obeid, quem encontrava-se em disponibilidade depois de ter sido indultado através do decreto 1004/89. Posteriormente, somaram-se outros efetivos, reunindo para aquele momento mais de 120 fardados rebeldes, em sua maioria suboficiais e oficiais de baixa graduação. Imediatamente depois de realizar a ocupação do prédio, este jovem oficial declarou à prensa que reconhecia como único chefe ao Coronel Seineldín.1014 Deste modo, os rebeldes apoderaram-se com relativa facilidade da sede do EMGE.
Pela manhã, tropas leais ao mando do Coronel Gerona rodearam o prédio. Pela tarde, fizeram-se os primeiros movimentos de efetivos no lugar e iniciaram-se os preparativos para ocupar o prédio pela força, enquanto aviões Canberra e Skyhawk pertencentes à Força Aérea Argentina realizavam vôos de intimidação sobre a zona. Logo após da recuperação do Rl 1 por parte das forças leais, as tropas da X Brigada de Infantaria Mecanizada transladaram-se desde Palermo ao prédio Libertador para tentar recuperar a unidade. Ao finalizar a tarde, os chefes leais, isto é, o Coronel Aníbal Laíño, diretor da Escola Superior de Guerra, e o próprio General Martín Balza, que se tinha transladado aí, ordenaram avançar sobre o prédio, quando o Capitán Breide Obeid, perante estes movimentos e diante a falta de reforços, decidiu depor sua atitude de rebeldia e se render. Este foi o último foco rebelde em cair no 3 de dezembro.
Em Boulogne, por sua parte, a fábrica TAMSE tinha sido ocupada durante a madrugada por um centenar de militares carapintada dirigidos pelo Coronel Jorge Alberto Romero Mundani e pelo Major Jorge Di Pasquale. Tinham o feito sem encontrar nenhum tipo de resistência. O objetivo deste grupo consistia em mobilizar umas vinte unidades blindadas Tanque Argentino Mediano (TAM) e, em conjunto com uma coluna de tanques que deviam provir de diversas unidades de Campo de Mayo, devia-se conformar uma considerável força blindada que servisse de apoio à ação dos rebeldes situados no edifício Libertador e nos quartéis de Palermo, tentando estabelecer um cerco estratégico sobre a Capital Federal.
Devido a dificuldades técnicas, apenas pela tarde este grupo rebelde contou com uma força blindada minimamente operável de 12 tanques. Mas, para esse momento, a fábrica tinha sido rodeada por uma numerosa quantidade de efetivos leais dirigidos pelo Coronel Herler. Depois de um violento enfrentamento entre ambos bandos, o Coronel Romero Mundani, já informado da queda de Palermo e da chegada de uma considerável quantidade de blindados leais pertencentes à I Brigada de Cavalaria Blindada na interseção do Acesso Norte e a Avenida General Paz -passo necessário para alcançar a Capital Federal-, ordenou abandonar o lugar. No final da tarde, 11 tanques saíram da fábrica, quebraram o forte cerco leal e dirigiram-se pela rodovia Panamericana em sentido contrário ao da Capital federal para a localidade bonaerense de Mercedes com o objetivo de desmobilizar ao pessoal subalterno.1015 Nessa marcha, o Coronel Romero Mundani suicidou-se dentro de um blindado, depois do qual o pessoal abandonou os tanques e o armamento e se espalhou. Na fábrica TAMSE, a recuperação das instalações produziu-se pela noite, quando os 25 rebeldes que ficaram renderam-se. A consideração do juiz federal Alberto Piotti, interveniente na causa à que deu a carranca de rebelião, foi de que perto de 60 carapintada encontravam-se prófugos.
Na zona portuária, durante a madrugada, elementos rebeldes da Prefectura Naval Argentina ao mando de De Sagastizabal, ocuparam o prédio Río de la Plata e comunicaram aos chefes leais, que se encontravam no edifício Guardacostas, sede dessa forças de segurança, que esse movimento tinha como objetivo exigir a reincorporação dos membros do Esquadrão Albatros que tinham sido reformados por sua participação no levantamento de Villa Martelli e que mais tarde tinham sido beneficiados pelo indulto presidencial. Também exigiram a revisão das sanções disciplinares que ainda pesavam sobre o pessoal que tinha aderido às reivindicações carapintada e a toma de medidas que tendiam a melhorar as condições econômicas dos efetivos da força. Pela manhã, Sagastizabal contava com uns 450 fardados sublevados.
As manobras de repressão deste foco rebelde foram dirigidas pelo Prefecto Víctor Washington Zibell, quem, depois de violentos enfrentamentos, pôs se fazer dono do prédio Buenos Aires, que também estava em mãos rebeldes. Durante a tarde, se produziu um forte tiroteio entre os sublevados e as forças leais, no qual resultaram feridos os Cabos Segundos Raúl Maldonado e Ceferino Niz e os Cabos Primeiros Víctor Ayala e Daniel Huerta, e no que foram mortos os suboficiais Robustiano Mieres e Miguel Ángel Acosta, todos eles rebeldes. Perante a gravidade do enfrentamento, uns cem suboficiais pertencentes à dotação do prédio Río de la Plata que inicialmente tinham aderido à reclamação do chefe rebelde, depuseram sua atitude e abandonaram as instalações. Mais tarde, fizeram-no outros 200 efetivos. Frente a esse quadro, o chefe sublevado solicitou a presença de um juiz para que mediasse nas negociações que conduziriam à rendição de seus subordinados. Pela tarde, o juiz federal Miguel Guillermo Pons ingressou ao prédio Río de la Plata, reuniu-se com Sagastizabal e acordaram o cesse de fogo e a rendição dos 60 rebeldes que ainda permaneciam sublevados. Depois foram transladados detentos à prisão militar de Campo de Mayo e se lhes iniciou um processo por rebelião.
Por sua parte, em Entre Ríos, durante a madrugada desse dia, tinha se posto em marcha uma coluna formada por 14 tanques e numerosas unidades blindadas provenientes do Regimento de Cavalaria de Tanques 1 de Villaguay e do Regimento de Cavalaria de Tanques 6 de Concordia, ao mando do major (R) Pedro Mercado, único oficial desse grupo conformado por quase um centenar de suboficiais. Seu objetivo limitava-se a marchar para Buenos Aires para reforçar o cerco de blindados sobre a Capital Federal e apoiar as unidades ocupadas desse lugar.
Durante a tarde, forças leais explodiram os pontes sobre a estrada 136 e a estrada 14, o que impediu o avanço do grupo sublevado, até que posteriormente a coluna começou a ser bombardeada na localidade de Ceibas por dois aviões Canberra da Força Aérea. Esta foi a primeira intervenção direta de outra força militar na repressão dos levantamentos carapintada produzidos no seio do Exército. Já entrada a noite, a coluna de Mercado enfrentou-se com tropas leais e rendeu-se imediatamente.
Em El Palomar, durante as horas do dia, mais de meio centenar de fardados carapintada dirigidos pelo Coronel Oscar Ricardo Vega tinham ocupado as instalações do Batalhão de Intendência 601. Durante a manhã, logo depois de alguns disparos de intimidação realizados pelas forças leais que se tinham apresentado no lugar, os rebeldes renderam-se.
Em soma, enquanto começou o anoitecer do 3 de dezembro, o mais violento de todos os levantamentos militares produzidos até esse momento tinha chegado a seu fim, com a rendição incondicional dos rebeldes e o encarceramento dos mesmos.
Esse mesmo dia, o Coronel (R) Mohamed Alí Seineldín,, que se encontrava no Regimento de Cavalaria de Montanha IV de San Martín de Los Andes, província de Neuquén, cumprindo com o arresto aplicado por Bonnet, assumiu a "total responsabilidade" pelo levantamento. Assim o expressou em uma carta enviada ao coronel José Bilbao Ritcher, encarregado de sua custódia.
Referente a los hechos militares sucedidos en el día de la fecha, pongo en su conocimiento que asumo la total responsabilidad de los mismos, a pesar de no haber estado presente y alejado de la zona de operaciones. Dejo constancia que, todos los Jefes Superiores, Jefes Subalternos, Oficiales, Suboficiales del Ejército y de la Prefectura Naval Argentina, cumplieron órdenes estrictas que les impartí [...]. Dios, Patria o muerte.1016
No dia seguinte, o EMGE informou que como conseqüência dos acontecimentos produzidos durante a jornada anterior, cinco fardados tinham resultado mortos -1 oficial superior, 2 chefes e 2 soldados- e 19 tinham ficado feridos -5 oficiais subalternos, 6 suboficiais superiores, 6 suboficiais subalternos e 2 soldados-. :Por seu lado, foram detentos três oficiais superiores, 29 chefes e suboficiais subalternos, 165 suboficiais superiores e 377 suboficiais subalternos, somando um total de 574 fardados detentos.1017
Também se soube que tinham morto 14 pessoas das quais, 5 eram civis, 7 pertenciam ao Exército e 2 à Prefectura, e tinham resultado feridas 50 pessoas entre civis e militares. Isto indicava que a virulência dos enfrentamentos tinha alcançado níveis que superaram amplamente as escaramuças produzidas durante as rebeliões anteriores. Tratou-se da rebelião mais cruenta, tanto pela violência observada nas ações carapintada quanto pela férrea, contundente e decidida repressão consumada pelos chefes e tropas leais, dado que marcou a diferença. Também os danos e destroços das instalações e veículos foram quantiosos. No entanto, a magnitude e gravidade do levantamento do 3 de dezembro esteve determinada pela quantidade de unidades ocupadas pelos rebeldes e pela importância política e institucional das mesmas, particularmente, dos prédios que serviam de sede ao EMGE, localizado a só 50 metros da Casa Rosada, e do Rl 1 de Palermo.
Os efetivos envolvidos nestes fatos foram mais de um milhar e na sua maioria eram suboficiais do Exército. Aos poucos dias de produzido o levantamento, encontravam-se detentos e processados 427 carapintada, dos quais 355 pertenciam ao Exército -18 oficiais e 337 suboficiais-, 47 à Prefectura e 25 eram civis. Resultava surpreendente que o 95 % dos 355 oficiais do Exército envolvidos na rebelião eram suboficiais e em sua maioria -mais do 80 %- eram suboficiais subalternos.1018 Depois das pesquisas judiciais, no abril de 1991, os julgados somavam um total de 798 quadros, dos quais 53 eram oficiais e 745 eram suboficiais.1019
Esta situação, em definitiva, confirmou a exígua adesão que Seineldín tinha entre a oficialidade e até a suboficialidade média e superior do Exército e, em conseqüência prestou conta da situação da isolamento político dentro da arma na que se encontravam os carapintada. Isso, somado à ausência de uma direção centralizada durante o levantamento e à falta de um plano político e militar global, produziu o fracasso no seu tentativa de consolidar uma situação de força que lhes permitisse impor negociações. Além do mais, o aprofundamento do enfrentamento político entre este setor e a direção da arma assim como também a crueldade demonstrada pelos rebeldes no assalto às instalações e bases ocupadas, foram elementos determinantes para dispor a rápida e contundente repressão leal e para que o governo encontrasse um elevado nível de obediência militar.1020
Aliás, a rendição incondicional dos dissidentes não só obteve-se pelo débil apoio interno com que contava Seineldín nem pela superioridade e contundência da ação das forças que responderam ao EMGE, mas também pela firme e permanente vontade política do presidente Menem de não negociar e de reprimir severamente aos sublevados. Em várias oportunidades e mediante diferente canais, os carapintada tentaram negociar algum acordo com o poder político, o que não foi possível devido à fechada negativa presidencial, tal como o expressou o próprio mandatário durante a conferência de prensa que concedeu a mesma noite do 3 de dezembro.
La directiva que di a los comandantes fue la de arrasar con los sediciosos [...]. Hubo varios sondeos por parte de los subversivos para ver si se podía negociar y la respuesta fue terminante. La rendición debía ser incondicional; caso contrario, la orden era seguir atacando y destruyendo los puestos subversivos hasta las últimas consecuencias [...]. Sólo puedo decir que tenía la firme determinación de liquidarlo de raíz [al levantamiento]. Sin contemplaciones. Cuando alguien me sugirió: "¿y si vienen a parlamentar?". Mi respuesta fue: "si alguno de los que están en la represión, o alguno de mi gabinete parlamenta con estos forajidos, los paso a retiro o lo saco del gabinete". Con los delincuentes, con los forajidos no se dialoga, se combate hasta la muerte.1021
Menem, além disso, afirmou que os carapintada tinham alcançado seu fim.
Esto está concluido definitivamente. Se acabó; se acabaron los carapintada; se acabó esta payasada que tanto mal le hizo al país [...]. La cúpula carapintada está totalmente descabezada, desmantelada.1022
Em definitiva, a quarta rebelião militar produzida desde 1987 tinha sido a primeira na que o governo nacional tinha logrado uma rápida e eficaz solução, sem negociações, acordos nem concessões. Por sua parte, o conjunto da classe política reconhecia lhe a Menem sua férrea intenção de não negociar com os rebeldes e a empreender uma rápida e eficaz repressão. O repúdio à ação rebelde e o absoluto apoio institucional fornecido ao presidente da Nação por parte do grosso dos setores políticos e sociais marcaram a jornada. Durante a tarde do dia 3, vinte e seis partidos políticos com representação parlamentar assinaram uma declaração na que condenaram o "reduzido grupo de sediciosos que tem pretendido levantar-se em armas contra a Nação, provocando perdas irreparáveis de vidas humanas, valores institucionais e bens materiais".
Acompañamos la decisión del gobierno de la Nación de responder al alzamiento con severidad en el ejercicio de las medidas que prevé el orden interno jurídico de la República.1023
Durante a manhã desse mesmo dia, o principal partido da oposição, a UCR, tinha declarado através de seu titular, o ex-presidente Alfonsín, sua solidariedade como governo e tinha exortado a seus afiliados a pôr-se "ao serviço da defesa das instituições democráticas".
La intentona golpista representa bolsones de autoritarismo que en nuestro país no han sido suficientemente anulados.1024
Isto é, para o amplo espectro de dirigentes e partidos tanto do oficialismo quanto da oposição, o levantamento tinha suposto uma tentativa de ruptura institucional. Isso era coincidente com a qualificação que, desde um primeiro momento, tinha feito Menem dos acontecimentos. Na mencionada conferência de prensa, Menem tinha assinalado que a rebelião carapintada tinha objetivado a produção de um "golpe de Estado".
[...] desde el momento que toman bases militares, atacan a mansalva a camaradas de armas y movilizan a algunos sectores de la comunidad, lo estoy calificando [al levantamiento] como tentativa de un golpe de Estado. Fue un intento de golpe de Estado y como tal ha sido tratado sin ninguna posibilidad de diálogo ni de parlamento [...]. Las sanciones serán lo más enérgicas posibles, no me temblará el pulso, no importa la pena que sea [...]. Yo ya les había advertido a estos facinerosos que ya no estaba Raúl Alfonsín, sino Carlos Menem, que es muy distinto.1025
Esta era a interpretação oficialmente brindada pelo governo nacional. Aos poucos dias, Menem repetiu essa explicação e acrescentou inclusive que os carapintada propunham-se assassinar ao próprio presidente da Nação, ao chefe e ao subchefe do EMGE, Generales Martín Bonnet e Martín Balza, ao diretor de Pessoal do Exército, General Mario Cándido Díaz, ao senador Eduardo Menem, ao ministro de Ação social, Alberto Kohan aos deputados José Luis Manzano, Miguel Ángel Toma e Federico Storani entre outros.
[...] tenían el propósito de tumbar al gobierno y pasar a degüello a muchos argentinos. Querían destruir la democracia [...].1026
O General Bonnet também respaldou essa interpretação. Disse que o levantamento não respondeu a um "enfrentamento interno entre setores do Exército" mas tratou-se de uma tentativa de "golpe de Estado". Também afirmou que o sucesso da solução da situação se conseguiu devido à acertada política militar seguida pelo presidente Menem.1027
A bem da verdade, a magnitude dos fatos e sua gravidade institucional, conforme as distintas expressões oficiais, não se condiziam com o imobilismo claro e a indiferença com o que o governo atendeu os distintos indícios que indicavam, desde fazia alguns meses, a iminente aparição do referido levantamento carapintada. A SIDE, igual que o organismo de inteligência do Exército, tinha previsto e denunciado em numerosas ocasiões os preparativos carapintada para produzir uma nova sublevação. Com efeito, no 29 de novembro, o titular daquele organismo, Hugo Anzorreguy, tinha lhe entreguado ao presidente Menem um informe no que se prestava conta da atividade desenvolvida durante os últimos meses pelos cabecilhas do setor e no que especificava-se a possibilidade real de que se levasse a cabo uma nova rebelião antes de que se reunisse a Junta de Qualificações do Exército e coincidindo com a visita ao país do presidente norte-americano George Bush. A idênticas conclusões tinha chegado a Chefia II de Inteligência do EMGE e as mesmas tinham sido dadas a conhecer às autoridades governamentais previamente ao levantamento.1028 A informação tinha chegado, inclusive, até os meios de comunicação. No 30 de novembro, em um semanário político local tinha se publicado um artigo no que se afirmava que durante o mês de dezembro se produziria um novo levantamento carapintada.
En medios gubernamentales se atribuye al entorno civil del coronel Seineldín la intención de lanzar la cuarta etapa de la operación dignidad antes o durante la visita de Bush en la Argentina [...]. Los seineldinistas prevén que la reestructuración castrense que prepara la cartera de Defensa no disminuirá las tensiones internas de la fuerza, pues éstas son las consecuencias de las discriminaciones y de la frustración profesional de los uniformados y, por lo tanto, entre el 1 y el 23 de diciembre el ejército nacional se pintaría la cara nuevamente.1029
Aos dois dias, o senador peronista Eduardo Menem reconheceu publicamente que o governo estava informado da possibilidade de que se produzisse uma nova rebelião.
El gobierno disponía de información sobre la posibilidad de que se registraran los acontecimientos que tuvieron lugar ayer en algunas unidades militares [...]. El gobierno ha procesado la información de la que disponía; hay que comprender que hay cosas que se pueden hacer por anticipado y otras no.1030
Vale dizer, os mais importantes funcionários do governo e a cúpula do Exército estavam informados sobre esta questão e, porém, não se tomou nenhum tipo de precaução para previr o fato ou conjurar seu planejamento desse levantamento. Quando se lhe perguntou a Menem sobre isto, só respondeu que tratava-se de um "secreto de Estado".1031 No entanto, alguns anos depois reconheceu que não desconhecia que os carapintada produziriam uma nova rebelião e que, diante dessa consideração, confiava em sua capacidade de mando sobre o resto dos fardados.
Viví los acontecimiento del 3 de diciembre como un desafío al poder del Estado nacional y me juramenté resolverlo en los términos que la gravedad de la situación requería [...]. Sabía que me iban a desafiar. No pensé que se animaran a matar camaradas, pero creo que esa desgracia sirvió también para desnudar intenciones. Confiaba absolutamente en la gran masa de oficiales y de los suboficiales del Ejército que querían terminar con este tipo de rebeliones para encontrar su rol en una Argentina que estaba cambiando rápidamente.1032
Imediatamente depois dos fatos do 3 de dezembro, iniciou-se o julgamento dos sublevados tanto no foro militar quanto no federal. No mesmo dia 3, o poder executivo tinha ordenado ao CSFA que investigasse e julgasse a "totalidade das responsabilidades" emergentes dos fatos produzidos durante essa jornada, mediante o "juízo sumário em tempo de paz". Isto é, para o governo o julgamento do levantamento devia se realizar no âmbito da justiça militar. Por seu lado, no dia 4, o juiz federal Miguel Pons solicitou lhe ao CSFA a remissão de todas as atuações que tivesse realizado respeito dos mencionados fatos. O juiz federal Alberto Piotti também iniciou o processo dos implicados na ocupação do estabelecimento TAMSE por rebelião. No entanto, no 27 de dezembro, a CSJN decidiu a favor da justiça militar como primeira instância para o processo dos rebeldes, o qual era coincidente com a posição governamental no sentido de que os carapintada fossem julgados por seus pares.
No 14 de dezembro, o governo, através do ministério de Defesa, deu instruções secretas ao Procurados Geral das Forças Armadas, General (R) Carlos Domínguez, encarregado de formular as acusações contra os rebeldes frente ao CSFA, nas que lhe ordenava enquadrar os fatos do 3 de dezembro dentro da figura de "motim". Isto significava que a qualificação do levantamento que inicialmente fizesse o governo diante a opinião pública, ao defini-lo como uma tentativa de golpe de Estado ou "rebelião", tinha sido sigilosamente mudada.
No 18 de dezembro, o promotor militar formulou sua alegação perante o CSFA. Enquadrou os fatos como motim e pediu a pena de morte para os Coroneles (R) Seineldín e Baraldini, o Teniente Coronel Osvaldo Tevere e os Majores Hugo Abete e Pedro Mercado; a reclusão por tempo indeterminado para o Teniente Coronel Antonio Pérez Cometto e os Majores Rubén Enrique Fernández e Jorge Pedro Mones Ruiz; e reclusão por 22, 20, 17, 15, 14, 12 e 3 anos para o Coronel Oscar Ricardo Vega, Major Osvaldo Zacarías, Major Héctor Romero Mundani, Teniente Ángel León, Major Esteban Rafael, Capitán Gustavo Breide Obeid e Major Horacio Linari, respetivamente. Também, durante sua alegação, o General Domínguez desenrolou uma extensa interpretação da crise militar e do enfrentamento existente no seio do Exército. Nessa exposição, assinalou que os motins produzidos durante esses anos tinham resultado das "agressões sofridas pelas Forças Armadas durante o governo constitucional que surgira das eleições de 1983, embora, ao mesmo tempo, reconhecesse que esses fatos derivavam de um processo histórico de maior alcance que havia tido sua origem nos anos setenta e cuja responsabilidade recaia nos governos tanto civis quanto militares que se tinham sucedido desde aquele momento.
Los hechos sometidos a vuestro examen comienzan a perfilarse cuando, en 1973, son amnistiados alrededor de cinco mil terroristas que la Justicia Federal condenara oportunamente en procesos cabalmente legítimos. Este error político, basado en suponer que la paz social podría lograrse "poniendo la otra mejilla", recibió como respuesta un mayúsculo baño de sangre en medio de un pueblo que clamaba por la seguridad de sus familias, de sus hijos, de sus amigos, de su trabajo y de sus bienes. Las Fuerzas Armadas, por su parte, equivocaron igualmente el camino al recoger el desafío de la lucha, fuera del marco republicano, porque la ley no se impone violando la ley; olvidaron que habían llegado para irse, olvidaron las urnas, y olvidaron la vida militar. Alboraron entonces ciertos excesos represivos por ausencia de pautas jurídicas nacionales adecuadas al nuevo fenómeno terrorista (que muchos "juristas" se negaban o temían propiciar) y, por primera vez en su honrosa historia, se instalaron incluso algunos hechos de corrupción en no pocos de sus integrantes. El desenlace de su gestión con la derrota de Malvinas, por ejemplo, fue el resultado de esa politización y de esa falta de conducción y profesionalismo. Las subsiguientes autoridades civiles, muy lejos de recomponer por la razón y la justicia a una de las instituciones fundamentales y fundacionales de la República, como son sus propias Fuerzas Armadas, se arrojaron contra ellas indiscriminadamente, sometiéndolas al escarnio público y al desprestigio cotidiano de sus miembros, en detrimento de la responsabilidad constitucional que les cabía de preservarlas, al margen de determinados ilícitos concretos y personalizados. El caos y la anarquía militar fueron inevitables, tanto más si, como ocurrió y ocurre, se sustrajeron a las Fuerzas Armadas aquellas misiones que le eran específicas a su razón de ser, no obstante la realidad natural impuesta por la experiencia histórica y mundial.1033
O promotor militar finalizou sua alegação referindo-se aos vínculos mantidos por longo tempo entre Seineldín e o governo e afirmou que isso tinha contribuído a desencadear os fatos que estavam sendo julgados.
Rompiendo con todas las normas de mesura y seriedad política, los amotinados fueron reiteradamente entrevistados, adulados y hasta alentados en sus mismos lugares de detención y también fuera de ellos, por muchos funcionarios civiles y otras personalidades del quehacer nacional, público y privado, sentando con ello, las indeseables bases para la formación de ejércitos paralelos que, como el denominado "Guerrero o Nacional", nos toca hoy el juzgamiento de sus atropellos a la disciplina.1034
Pois bem, o inesperada alegação de Domínguez surpreendeu tanto ao EMGE quanto ao próprio governo nacional, dado que nele se lhe atribuía a estes uma quota levada de responsabilidade no aprofundamento do enfrentamento que vinha se produzindo no interior do Exército desde 1987. Em conseqüência, no 3 de janeiro de 1991, o ministério de Defesa decidiu deslocar a Domínguez do cargo e substitui-lo pelo General Dionisio Andrés Ferreyra. Domínguez não era confiável para o governo.
No 8 de janeiro, o CSFA deu a conhecer sua sentença sobre a causa aberta como conseqüência do levantamento do 3 de dezembro. Avaliou os fatos como "motim qualificado por derramamento de sangue, com concurso ideal com o delito de rebelião" e condenou aos Majores Hugo Abete e Pedro Mercado a reclusão por tempo indeterminado, com acessória de destituição do Exército; ao Capitán Gustavo Breide Obeid; ao Major Jorge Pedro Mones Ruiz a 20 anos de reclusão; ao Major Esteban Rafael a 18 de reclusão; aos Majores Héctor Romero Mundani e Rubén Fernández a 17 anos de reclusão; e ao Teniente Coronel Antonio Pérez Cometto e ao Major Osvaldo Zacarías a 12 anos de reclusão. Por eu lado, o Teniente Coronel Ángel León e o Major Horacio Linari foram absolvidos.1035 Imediatamente depois, os advogados dos acusados apelaram a sentença do CSFA e, por conseguinte, para fim desse mês, a causa passou ao foro civil.
Por sua parte, por volta de abril, os militares do Exército aos que se estava promovendo o processo destro do foro militar somavam 798, dos quais 53 eram oficiais e 745 suboficiais. Deles, 23 oficiais tinham recebido sanções do CSFA, enquanto 10 oficiais e 439 suboficiais estavam detentos sem condenações; 4 oficiais estavam prófugos; 7 oficiais e 4 suboficiais encontravam-se a disposição do tribunal; 9 oficiais e 200 suboficiais tinham sido postos em disponibilidade -dos quais 58 já haviam sido reformados-; e 102 suboficiais tinham-se deixado de julgar.1036
No 15 de abril, começou a etapa oral e pública do juízo promovido contra os cabecilhas no âmbito da Câmara Federal de Apelações da Capital Federal. O promotor desse tribunal, Dr. Luis Moreno Ocampo, formulou a acusação indicando que os acontecimentos do 3 de dezembro haviam configurado uma "rebelião" e afirmou que seus responsáveis tinham tentado provocar um "golpe de Estado". Em julho, durante sua alegação, qualificou os fatos como "um motim com derramamento de sangue em concurso ideal de rebelião agravada e concurso ideal de homicídio e homicídio com aleivosia, no que os processados pretenderam estabelecer um cerco às autoridades constitucionais, utilizando a violência como forma de fazer política, para estabelecer uma nova ordem apoiada em sua própria vontade, cuja conseqüência é a morte". Acusou a Seineldín de "instigador e promotor da rebelião" e solicitou para ele a pena de reclusão por tempo indeterminado e destituição da graduação. Para os Coroneles Oscar Vega e Luis Baraldini, os Tenientes Coroneles Osvaldo Tevere e Ángel León, os Majores Hugo Abete e Pedro Mercado e o Capitán Gustavo Breide Obeid também pediu a pena de reclusão por tempo indeterminado; para os Majores Esteban Rafael e Rubén Fernández, a de 25 anos de reclusão; para o Teniente Coronel Antonio Pérez Cometto, a pena de 16 anos de reclusão; para os Majores Jorge Pedro Mones Ruiz, Héctor Romero Mundani e Osvaldo Zacarías, a pena de 14 anos de reclusão; e para o Major Horacio Linari, a pena de 12 anos de reclusão.1037
No 2 de setembro, a Câmara Federal sentenciou em termos de condena e impôs severas penas para os implicados, a saber, reclusão por tempo indeterminado para Mohamed Alí Seineldín; 20 anos de reclusão para os Coroneles Oscar Vega e Luis Baraldini e para o Major Pedro mercado; 18 anos de reclusão para o Teniente Coronel Osvaldo Tevere e o Major Hugo Abete; 15 anos de reclusão para o Major Rubén Fernández; 12 anos de reclusão para o Major Esteban Rafael; 10 anos de reclusão para os Majores Jorge Pedro Mones ruis, Héctor Romero Mundani e Osvaldo Zacarías e para o Capitán Gustavo Breide Obeid; 4 anos de reclusão para Teniente Coronel Antonio Pérez Cometto; 3 anos para o Major Horacio Linari; e 2 anos e meio para o Teniente Coronel Ángel León.1038
Em soma, o desenrolamento do levantamento do 3 de dezembro e o posterior processo e condenação dos rebeldes que formaram parte deste significou a definitiva desarticulação do setor carapintada dentro da vida institucional do Exército.
936. Jornal Página/12, Buenos Aires, 7 de maio de 1989.
937. Jornal Página/12, Buenos Aires, 5 de dezembro de 1988 e 7 de maio de 1989.
938. SIMEONI, Héctor e ALLEGRI, Eduardo, Línea de fuego..., op. cit., p. 231.
939. MENEM, Carlos, "Carlos Menem y la defensa nacional", em revista Debate para um Proyecto Nacional, Buenos Aires, janeiro de 1989 (reportagem a cargo de Norberto Ceresole), pp. 3, 4.
940. Ibid., pp. 5, 6.
941. Ibid., pp. 7, 8.
942. Ibid., p. 8.
943. Ibid., p. 5.
944. Ibid.
945. Ibid., p. 11.
946. Ibid., p. 3.
947. Ibid., pp. 3, 4.
948. PARTIDO JUSTICIALISTA, Plataforma electoral 1989, Buenos Aires, 1989, p. 36.
949. Ibid., p. 38.
950. Ibid., p. 39.
951. Jornal La Nación e Página/12, Buenos Aires, 19 de março de 1989.
952. Jornal Página/12, Buenos Aires, 26 de março de 1989.
953. Jornal Página/12, Buenos Aires, 26 de março de 1989.
954. Jornal Página/12, Buenos Aires, 26 de março de 1989.
955. Jornal Página/12, Buenos Aires, 1 de março de 1989.
956. Jornal Página/12, Buenos Aires, 19 de março de 1989.
957. Jornal Página/12, Buenos Aires, 7 de maio de 1989.
958. Jornal Página/12, Buenos Aires, 2 de junho de 1989.
959. Os contatos e vínculos estabelecidos ao longo de todo esse período entre Seineldín e Menem e numerosos dirigentes próximos foram publicamente conhecidos durante o processo judicial que se iniciou depois da rebelião carapintada produzida o 3 de dezembro de 1990. Para esta questão, veja-se: jornal Página/12, Buenos Aires, 27 de janeiro e 17 de fevereiro de 1991. Tenho estudado mais extensamente estes aspectos em: SAIN, Marcelo Fabián, Los levantamientos..., op. cit., tomo II.
960. Jornal Página/12, Buenos Aires, 7 de maio de 1989.
961. Jornais Clarín e Página/12, Buenos Aires, 21 de junho de 1989.
962. Jornal Clarín, Buenos Aires, 21 de junho de 1989.
963. Jornal Página/12, Buenos Aires, 21 de outubro e 5 de novembro de 1989.
964. Jornal Página/12, Buenos Aires, 12 de julho de 1989.
965. Jornal Página/12, Buenos Aires, 12 de julho de 1989.
966. Jornal Página/12, Buenos Aires, 12 de julho de 1989.
967. Jornal Página/12, Buenos Aires, 10 e 12 de julho de 1989.
968. Jornal Página/12, Buenos Aires, 13 de julho de 1989.
969. Jornal Página/12, Buenos Aires, 15 de julho de 1989.
970. Jornal Página/12, Buenos Aires, 16 de agosto de 1989.
971. Publicado no Boletín Oficial do 10 de outubro de 1989. Este decreto foi complementado pelo decreto 1.088/89 -promulgado o 18 de outubro de 1989 e publicado no Boletín Oficial do 23 de outubro de 1989-, através do qual se indultou a outros três militares processados pela perpetração de delitos durante os levantamentos carapintada.
972. Jornal Página/12, Buenos Aires, 1 de outubro de 1989.
973. Jornais Clarín e Página/12, Buenos Aires, 10 de outubro de 1989.
974. Para conhecer a política econômica da primeira presidência de Menem, veja-se: SMITH, William, "Estado, mercado y neoliberalismo en la Argentina de la post-transición: el experimento de Menem", em revista El Cielo por Asalto, Buenos Aires, ano III, n.º 5, outono de 1993; BOUZAS, Roberto, "¿Más allá de la estabilidad y la reforma? Un ensayo sobre la economía política argentina a comienzos de los '90", em Desarrollo Económico. Revista de Ciencias Sociales, Buenos Aires, n.º 129, abril - junho de 1993; AZPIAZU, Daniel, "La industria argentina ante la privatización, la desregulación y la apertura asimétrica de la economía. La creciente polarización del poder económico", em AZPIAZU, Daniel y NOCHTEFF, Hugo, El desarrollo ausente, FLACSO-TESIS, Buenos Aires, 1994; BUSTOS, Pablo (comp.), Más allá de la estabilidad, Fundación Friedrich Ebert, Buenos Aires, 1995; GERCHUNOFF, Pablo y CÁNOVAS, Guillermo, "Privatizaciones en un contexto de emergencia económica", em Desarrollo Económico. Revista de Ciencias Sociales, Buenos Aires, n.º 136, janeiro - março de 1995.
975. Jornal Página/12, Buenos Aires, 21 de outubro de 1989.
976. Jornal Página/12, Buenos Aires, 2 de novembro de 1989.
977. Jornal Página/12, Buenos Aires, 2 de novembro de 1989.
978. Jornal Página/12, Buenos Aires, 2 de novembro de 1989.
979. Jornal Página/12, Buenos Aires, 9 de julho de 1989.
980. Jornal Página/12, Buenos Aires, 2 de novembro de 1989.
981. Jornal Página/12, Buenos Aires, 20 de novembro de 1989.
982. Jornal Clarín, Buenos Aires, 26 de novembro de 1989.
983. Jornal Clarín, Buenos Aires, 26 de novembro de 1989.
984. Jornal Clarín, Buenos Aires, 26 de novembro de 1989.
985. Jornal Clarín, Buenos Aires, 28 de dezembro de 1989.
986. Jornal Clarín, Buenos Aires, 30 de dezembro de 1989.
987. Jornal Clarín, Buenos Aires, 30 de dezembro de 1989.
988. Jornal Página/12, Buenos Aires, 19 e 28 de janeiro de 1990.
989. Jornal Página/12, Buenos Aires, 28 de janeiro de 1990.
990. Jornal Página/12, Buenos Aires, 3 de fevereiro de 1990.
991. Jornal Página/12, Buenos Aires, 28 de janeiro de 1990.
992. Jornal Clarín, Buenos Aires, 8 e 16 de fevereiro de 1990.
993. Jornal Página/12, Buenos Aires, 14 de fevereiro de 1990
994. Jornal Clarín, Buenos Aires, 22 de fevereiro de 1990.
995. Jornal Página/12, Buenos Aires, 22 de fevereiro de 1990.
996. Publicado no Boletín Oficial do 7 de março de 1990.
997. Jornal Clarín, Buenos Aires, 4 de março de 1990.
998. Jornal Clarín, Buenos Aires, 4 de março de 1990.
999. Jornal Clarín, Buenos Aires, 4 de março de 1990.
1000. Jornal Clarín, Buenos Aires, 5 de março de 1990.
1001. Jornal Página/12, Buenos Aires, 8 de março de 1990.
1002. Jornal Página/12, Buenos Aires, 11 de março de 1990.
1003. Jornal Página/12, Buenos Aires, 26 de novembro de 1989.
1004. Jornal Clarín, Buenos Aires, 3 de dezembro de 1989.
1005. Jornal Página/12, Buenos Aires, 3 de dezembro de 1989.
1006. Dentre eles destacavam-se Carlos Gómez Alzaga Sánchez Elía, Nicanor Villafañe Molina, Patricio Videla Balaguer, Vicente Massot e Aldo Ducler. Veja-se: Jornal Página/12, Buenos Aires, 11 de março de 1990.
1007. Jornais Clarín e Página/12, Buenos Aires, 27 de março de 1990.
1008. Jornal Página/12, Buenos Aires, 27 de março de 1990.
1009. Carta publicada na revista Gente, Buenos Aires, 6 de dezembro de 1990.
1010. Jornais Clarín e Página/12, Buenos Aires, 4 de dezembro de 1990. Os acontecimentos produzidos ao longo de toda a jornada do 3 de dezembro de 1990 tem sido descritos e relatados no informe confeccionado pelo EMGE sobre esses fatos e sobre as operações de repressão levadas a cabo para sufocar a rebelião. Esse informe é nomeado em; SIMEONI, Héctor e ALLEGRI, Eduardo, Línea de fuego..., op. cit., cap. X.
1011. Revista Gente, Buenos Aires, 6 de dezembro de 1990; Jornal Página/12, Buenos Aires, 4 de dezembro de 1990.
1012. Jornal Crónica, Buenos Aires, 3 de dezembro de 1990, sexta edición; revista Gente, Buenos Aires, 6 de dezembro de 1990.
1013. Jornal Clarín, Buenos Aires, 4 de dezembro de 1990.
1014. Veja-se SIMEONI, Héctor e ALLEGRI, Eduardo, Línea de fuego..., op. cit., cap. IX.
1015. Durante estes fatos, um blindado carapintada investiu um ônibus de passageiros de uma linha interurbana provocando a morte de 5 pessoas que iam no seu interior.
1016. Jornal Clarín, Buenos Aires, 5 de dezembro de 1990.
1017. Informe citado em: SIMEONI, Héctor e ALLEGRI, Eduardo, Línea de fuego..., op. cit., cap. IX.
1018. FRAGA, Rosendo, Menem..., op. cit., pp. 134 e 135
1019. Ibid., p. 141.
1020. SAIN, Marcelo Fabián, Los levantamientos..., op. cit., tomo II.
1021. Jornal Clarín, Buenos Aires, 4 de dezembro de 1990; revista Gente, Buenos Aires, 6 de dezembro de 1990.
1022. Jornal Clarín, Buenos Aires, 4 de dezembro de 1990.
1023. Jornal Página/12, Buenos Aires, 4 de dezembro de 1990.
1024. Jornal Página/12, Buenos Aires, 4 de dezembro de 1990.
1025. Jornais Clarín, Página/12 e La Nación, Buenos Aires, 4 de dezembro de 1990.
1026. Jornal Clarín, Buenos Aires, 13 de dezembro de 1990.
1027. Jornal Clarín, Buenos Aires, 7 de dezembro de 1990.
1028. Revista Gente, Buenos Aires, 6 de dezembro de 1990.
1029. Revista El informador público, Buenos Aires, n.º 218, 30 de novembro de 1990. O artigo tinha sido escrito pelo jornalista Guillermo Cherashny.
1030. Jornal Clarín, Buenos Aires, 5 de dezembro de 1990.
1031. Para estes acontecimentos veja-se: jornal Página/12, Buenos Aires, 4 e 5 de dezembro de 1990; jornal Clarín, Buenos Aires, 5 e 6 de dezembro de 1990; revista El informador público, Buenos Aires, n.º 219 e 220, 7 e 14 de dezembro de1990; revista Somos, Buenos Aires, 31 de dezembro de 1990.
1032. Revista Actualización Política, Buenos Aires, ano 2, n.º 10, janeiro-fevereiro de 1993.
1033. Jornal Página/12, Buenos Aires, 19 de dezembro de 1990; SIMEONI, Héctor y ALLEGRI, Eduardo, Línea de fuego..., op. cit., cap. IX.
1034. Ibid.
1035. Jornais Clarín e Página/12, Buenos Aires, 9 de janeiro de 1991.
1036. FRAGA, Rosendo, Menem..., op. cit., p. 141.
1037. Jornais Clarín e Página/12, Buenos Aires, 23 e 24 de julho de 1991.
1038. Jornais Clarín e Página/12, Buenos Aires, 3 de setembro de 1991.