Título: Alfonsín, Menem e as relações cívico-militares. A construção do controle sobre as Forças Armadas na Argentina democrática (1983-1995) - Capítulo terceiro - Alfonsín e a revisão do passado autoritário
3.4) As contingências da estratégia do oficialismo do autojulgamento castrense.
Em abril de 1984, o General (R) Jorge Rafael Videla reivindicou a participação militar na luta contra a subversão indicando que a mesma se baseou "na convicção de ter prestado um inestimável serviço derrotando ao inimigo da Nação e facilitando com seu acionar o restabelecimento do sistema republicano, representativo e federal".
[...] fue una guerra que no promovieron, no buscaron y no desearon las Fuerzas Armadas, librada contra un enemigo mimético que no usaba uniforme ni bandera, con características muy particulares de impresión tanto en su comienzo y en su término, cuanto en su peculiar desarrollo. Fue una guerra reclamada y aceptada como una respuesta válida por la mayoría del pueblo argentino, sin cuyo concurso no hubiera sido posible la obtención del triunfo, ejecutada con valor y alto espíritu de servicio de cuadros y tropa de las Fuerzas Armadas, de seguridad y policiales.234
Essas afirmações, que seriam uma constante do discurso militar durante os primeiros anos do governo radical, significavam um profundo questionamento à orientação definida e formulada por Alfonsín acerca da revisão do passado.
No 25 de junho, o comandante do III Corpo de Exército, General Pedro Pablo Mansilla, respaldou a um numeroso grupo de oficiais de diferentes unidades localizadas na província de Córdoba que se tinha amotinado para reclamar-lhe ao juiz federal Miguel Rodríguez Villafañe que anulasse a prisão preventiva que tinha ditado contra os Capitanes Gustavo Adolfo Alsina e Enrique Mones Ruiz e o Cabo Miguel Ángel Pérez pelo homicídio de dois presos políticos no ano 1976. No começo de junho, o juiz se declarou incompetente conforme ao requerimento realizado pelo ministério de promoção de justiça nesse sentido e girou a causa ao CSFA, o que em forma imediata dispôs a liberdade dos implicados.235
De igual maneira, nesses dias o General Mansilla tinha impedido o aceso de funcionários da CONADEP a unidades militares sob sua jurisdição, apesar das ordens dadas pelo chefe do Estado Maior Geral do Exército (EMGE), General Arguindegui, no sentido de permitir que a comissão investigadora desenvolvesse livremente sua labor na jurisdição militar. Quando este tentou impor a transferência para a reforma ao chefe militar, aquele persistiu em sua atitude e tornou a desobedecer ordens negando-se a solicitá-lo. Nessas circunstâncias, no 4 de julho, o governo nacional dispôs a transferência para a reforma do General Arguindegui -ao que substituiu pelo General Ricardo Pianta, que até esse momento se tinha desempenhado como subchefe dessa arma- e do próprio Mansilla.236 Esse mesmo dia, o juiz federal Gustavo Becerra Ferrer deixou detento -depois de tomar-lhe declaração- ao General Juan Sasiaiñ, acusado de ter ordenado a detenção ilegal e posterior assassinato de uma professora de 1º Grau durante a repressão ilegal. Tempo depois, o mencionado magistrado se declarou incompetente nessa causa, a remitiu à justiça militar e no 17 de julho o CSFA dispôs a liberdade do General Sasiaiñ.
Esta foi a primeira crise militar vinculada à revisão judicial do passado que deveu afrontar o governo nacional e da que com certeza saiu airoso na medida em que conseguiu controlar a situação e impor a subordinação militar em um tema que paulatinamente se ia impondo como a temática mais conflitante das relações cívico-militares. Nesses dias, o poder executivo promulgou o decreto 2107/84237 através do qual autorizou ao "pessoal militar das Forças Armadas" assim como também ao "pessoal militar em situação de reserva" que se lhe tivesse requerido legalmente "informes, declarações ou documentos referidos à luta contra a subversão e o terrorismo" a declarar acerca dos "fatos ou assuntos de serviço" referidos a tais assuntos "sem necessidade de solicitar em cada caso concreto a vênia que prescrevem os regulamentos militares pertinentes".
Por sua parte, a mesma jornada na que o General Arguindegui passou para a reforma, a CONADEP apresentou publicamente seu primeiro informe sobre a repressão ilegal durante os anos de autoritarismo militar em um programa televisivo titulado "Nunca Mais". O mesmo foi aberto pelo ministro do Interior, Dr. Antonio Tróccoli, quem enfatizou que só se tratava de "um aspecto da violência" já que "o outro aspecto foi a irrupção do terrorismo no país, dirigido desde o exterior para ocupar o poder pela violência, desatando ao cabo uma orgia de sangue e morte". De todos modos, a dramaticidade dos testemunhos posteriores de oito ex detentos-desaparecidos que recuperaram sua liberdade e de familiares de outras tantas pessoas que ainda permaneciam desaparecidas diluiu a tentativa do ministro por atenuar o impacto negativo que o informe teve nos meios militares. A versão oficial com o intuito de equiparar a magnitude e gravidade do terrorismo de esquerda com o terrorismo do Estado autoritário virou certamente relativa quando, ao longo do informe, se soube que a Comissão tinha constatado a existência de 280 campos clandestinos de detenção e tortura dependentes de autoridades militares assim como o desaparecimento de 8.800 pessoas que tinham em sua maioria entre 20 e 35 anos, mas entre os quais também havia 160 adolescentes de 13 a 18 anos, 120 recrutas, 52 pessoas de 55 a 77 anos e 172 crianças seqüestradas com suas madres.238
Enquanto isso, no 12 de julho, a Câmara Federal de Apelações lhe concedeu uma prorrogação de 30 dias ao CSFA para que informe sobre a evolução das causas abertas pelo decreto 158/83 e as incorporadas posteriormente. O prazo estimado pela lei 23.049 se esgotava e o tribunal supremo da justiça castrense não parecia estar disposto a acelerar o desenvolvimento dessas causas, o que começava a mostrar as limitações da estratégia oficial de autodepuração militar.
No 2 de agosto, o CSFA decretou a prisão preventiva rigorosa contra o General (R) Jorge Rafael Videla ao considerar, depois de várias horas de indagação, que existiam dados suficientes que indicavam sua responsabilidade na execução dos delitos referidos no decreto 158/83. Ao dia seguinte, também tomou declaração indagatória ao Brigadier Orlando Agosti e ordenou sua detenção, embora posteriormente recuperou a liberdade.239 Por sua vez, nesse mesmo dia 2, as oito organizações de direitos humanos deram a conhecer uma relação com os nomes de 896 chefes e oficiais das Forças Armadas que tiveram participação direta na repressão ocorrida durante a ditadura do processo, depois de ter concluído uma extensa tarefa de recopilação de dados através do testemunho das vítimas que tinham sobrevivido ao terrorismo desencadeado desde o Estado.240 Tratou-se, pois, do primeiro informe relativamente completo no que, ademais, se incluía a lista dos centros de detenção clandestinos nos quais se tinha encarcerado ilegalmente e torturado aos prisioneiros políticos da época.
Nesse contexto, o 9 de agosto, o Congresso Nacional sancionou a lei 23.077241 através da qual se derrogaram uma série de leis de-facto que tinham sido promulgadas durante a ditadura, e ademais se efetivaram reformas importantes no Código Penal. Quanto ao delito de "rebelião" referido aos "que se alçarem em armas para mudar a Constituição, depor alguns dos poderes públicos do governo nacional, extrair alguma medida ou concessão ou impedir, embora seja temporariamente, o livre exercício de suas faculdades constitucionais ou sua formação ou renovação nos termos e formas legais", se substituiu tal expressão pela de "atentados à ordem constitucional e à vida democrática" (art. 226º do Código Penal) e se agravou a pena prevista para o mesmo, estabelecendo-se o incremento da mesma quando tal delito fosse "perpetrado com o fim de mudar de modo permanente o sistema democrático de governo, suprimir a organização federal, eliminar a divisão de poderes, ab-rogar os direitos fundamentais da pessoa humana ou suprimir ou menoscabar, embora seja temporariamente, a independência econômica da Nação" e quando fosse "perpetrado por pessoas que tiverem estado, emprego ou assimilação militar". De igual modo, se incorporou um novo artigo através do qual se instituiu uma nova figura delituosa -e sua respetiva pena- referida ao que "ameaçar pública e idoneamente com a execução de algumas das condutas" previstas no artigo mencionado precedentemente (art. 226º bis do Código Penal). Nesse mesmo sentido, também se acrescentou um outro artigo no que se estabeleceram as penas "para os membros de alguns dos três poderes do estado nacional ou das províncias que consentiram a consumação dos fatos" estabelecidos no art. 226to, "continuando em suas funções ou assumindo as depois de modificada pela força a Constituição ou deposto algum dos poderes públicos, ou fazendo cumprir medidas dispostas por quem usurpem tais poderes", ou, em seu caso, para todos aqueles que "aceitarem colaborar continuando em funções ou assumindo as, com as autoridades de-facto, em alguns dos seguintes cargos: ministros, secretários de Estado, subsecretários, diretores gerais ou nacionais, ou de hierarquia equivalente na ordem nacional, provincial ou municipal, presidente, vice-presidente, vogais ou membros de diretórios de organismos descentralizados ou autárquicos ou de bancos oficiais ou de empresas do Estado, sociedades de economia mista, ou de sociedades anônimas com participação estatal majoritária, ou de entes públicos equivalentes aos enumerados na ordem nacional, provincial ou municipal, embaixadores, reitores ou decanos de universidades nacionais ou provinciais, membros das forças armadas ou de polícia ou de organismos de segurança em grau de chefes ou equivalentes, perfeitos, ou membros do ministério público de promoção de justiça de qualquer hierarquia ou foro, pessoal hierárquico do parlamento nacional e das legislaturas provinciais" (art. 227º bis do Código Penal). Também, se acrescentou um artigo através do qual se agravou a pena estabelecida para qualquer delito quando a ação delituosa "contribua a pôr em perigo a vigência da Constituição Nacional" (art. 227º ter do Código Penal), com o qual se apontou a penar condutas ilícitas que vulnerassem a vigência constitucional sem que mediar o alçamento em armas. E, finalmente, se introduziram uma série de importantes mudanças em matéria processual penal, todas elas referidas à competência, instrução, procedimento intermédio e julgamento dos delitos contra os poderes públicos e a ordem constitucional" (título X do livro II do Código Penal) em cujo contexto se achavam tipificados os delitos de "atentados à ordem constitucional e à vida democrática" e de "sedição".
Com isso, se completava, em suma, o conjunto de reformas penais e processais de fundo que tinham sido oportunamente enunciadas por Alfonsín, com a finalidade de encarar a revisão judicial do passado.
Pois bem, no 22 de agosto, a Câmara Federal de Apelações da Capital Federal concedeu uma nova prorrogação de 30 dias ao CSFA considerando que este tribunal "não incorreu em negligência nem morosidade" e estimando que em 90 dias -contados a partir do 11 de julho- poderia terminar-se em forma definitiva as causas iniciadas através do decreto 158/83.242 No 30 desse mês, o CSFA indagou e decretou prisão preventiva ao ex comandante do III Corpo de Exército, General (R) Luciano Benjamín Menéndez e ao Almirante (R) Emilio Massera. No 11 de setembro, o presidente desse tribunal lhe expôs ao subsecretário de defesa, Horacio Jaunarena, a impossibilidade administrativa de acelerar os tramites processais dos julgamentos contra os ex-comandantes do PRN.
O conhecimento público da lista nominal de oficiais comprometidos com a repressão ilegal provocou que o Senado da Nação demorasse o tratamento dos 219 primeiras folhas de ascensões de oficiais superiores das Forças Armadas -entre eles 13 Coroneles, 11 Capitanes de Navio e 10 Comodoros- enviados em março pelo poder executivo para sua aprovação. Finalmente, no 31 de agosto os senadores do oficialismo, junto aos provinciais e o MID, aprovaram com 24 votos favoráveis o acordo para as mencionadas ascensões a pesar de que muitos dos oficiais beneficiados formavam parte da lista nominal de militares que tinham participado na repressão ilegal.243
No 20 de setembro, a CONADEP entregou-lhe ao presidente Alfonsín o informe final, resultado de suas investigaçãos sobre as conseqüências da repressão ilegal. Isso se produziu em meio de um clima expectante sobre o conteúdo do extenso informe (contava com mais de 50.000 fólios) tanto na opinião pública quanto entre os próprios homens de armas. Em sua introdução, a comissão afirmou que "existiu uma metodologia repressiva concebida para produzir atos e situações" através na "seqüência seqüestro-desaparecimento-tortura" e que os delitos cometidos nesse quadro decidido, planejado, conduzido e levado a cabo desde o Estado, dificilmente poderiam ser concebidos como um conjunto de excessos, assim como o vinha afirmando o discurso militar.
Los casos transcriptos no son de aquellos que constituyan excesos, ya que tales excesos no existieron si se entiende por ello la comisión de actos aislados, particularmente aberrantes. Es que todo el sistema, toda la metodología, desde su ideación, constituyó el gran exceso; lo aberrante fue práctica común y extendida. Los actos "especialmente" atroces se cuentan por millares. Son los "normales".244
O informe indicou que desde o 24 de março de 1976 dezenas de milhares de pessoas foram privadas ilegalmente de sua liberdade e delas umas 8.960 continuavam naquele momento desaparecidas. A particularidade da metodologia repressiva esteve dada pela "total clandestinidade em que se obrava", pela "pertinaz negativa oficial a reconhecer a responsabilidade dos organismos intervenientes" e pela "existência e generalização da prática da tortura". O esquema clandestino de repressão foi posto em prática pelos denominados "grupos de tarefas" conformados por pessoal das diversas Forças Armadas e de Segurança, que funcionavam em forma direta sob as ordens dos respetivos comandos de zonas e subzonas nos que as autoridades militares dividiram o país. Estes grupos, por sua vez, operaram nos "centros clandestinos de detenção" -a comissão identificou uns 340 aproximadamente- que configuraram aos lugares materiais onde se perpetrou a política terrorista.
Estos centros sólo fueron clandestinos para la opinión pública y familiares o allegados de las víctimas, por cuanto las autoridades negaban sistemáticamente toda información sobre el destino de los secuestrados a los requerimientos judiciales y de los organismos nacionales e internacionales de derechos humanos. Pero va de suyo que su existencia y funcionamiento fueron sólo posibles merced al empleo de recursos financieros y humanos del Estado y que, desde las más altas autoridades militares hasta cada uno de los miembros de las Fuerzas de Seguridad que formó parte de este esquema represivo hicieron de estos centros su base fundamental de operaciones.245
O informe também assinalou que a morte como conseqüência "da tortura, do shock elétrico, da imersão, da sufocação" foi utilizada como "arma política" em forma "maciça, coletiva ou individual, premeditada, por lançamento ao mar, por fuzilamento".
Hubo miles de muertos. Ninguno de los casos fatales tuvo su definición por vía judicial ordinaria o castrense, ninguno de ellos fue la derivación de una sentencia. Técnicamente expresado, son homicidios calificados. Homicidios respecto de los cuales nunca se llevó a cabo una investigación profunda y jamás se supo de sanción alguna aplicada a los responsables. En conclusión, el régimen que consideró indispensable alterar nuestra tradición jurídica, implantando en la legislación la pena capital, nunca la utilizó como tal. En lugar de ello, organizó el crimen colectivo, un verdadero exterminio masivo, patentizado hoy en el mórbido hallazgo de cientos de cadáveres sin nombre, y en el testimonio de los sobrevivientes dando cuenta de los que murieron en atroces suplicios. No fue un exceso en la acción represiva, no fue un error. Fue la ejecución de una fría decisión.246
Além do mais, se especificou no mencionado informe que muitas das pessoas ilegalmente detentas tinham sido posteriormente exterminadas com ocultação de identidade e, em alguns casos, seus corpos foram destruídos para impossibilitar sua posterior identificação.
Em suas conclusões, a comissão afirmou que entre as vítimas do terrorismo de Estado não somente deviam contar-se os membros das organizações políticas mas também a sindicalistas, dirigentes e militantes estudantis opositores do regime.
[...] contrariamente a lo sostenido por los ejecutores de tan siniestro plan, no solamente se persiguió a los miembros de organizaciones políticas que practicaban actos de terrorismo. Se cuentan por millares las víctimas que jamás tuvieron vinculación alguna con tales actividades y fueron, sin embargo, objeto de horrendos suplicios por su oposición a la dictadura militar, por su participación en luchas gremiales o estudiantiles, por tratarse de reconocidos intelectuales que cuestionaron el terrorismo de Estado o, simplemente, por ser familiares, amigos o estar incluidos en la agenda de alguien considerado subversivo.247
Em definitiva, da profunda investigação desenrolava pela CONADEP e da quantiosa documentação recolhida e compilada se pôde apreciar com dramática contundência que os delitos cometidos durante a repressão do processo não configuraram erros ou excessos isolados e excepcionais, e que ademais se tratou de uma política de terror planejada e sistematicamente executada pela Forças Armadas através do aparelho estatal.
Com o conhecimento público do informe da CONADEP, os níveis de ativismo e mobilização das organizações políticas e sociais se foram incrementando essencialmente. A demanda de "juízo e castigo aos culpáveis" instalada pelas organizações de direitos humanos se converteu neste contexto, em uma reivindicação quase unânime da sociedade em seu conjunto. Esta situação, somada à clara falta de vontade do CSFA por levar adiante as causas abertas através do decreto 158/83 e à ostensível posição militar de opor-se à aprofundamento da revisão do passado, indicava que as margens de manobra do governo se iam encurtando rapidamente, pois aquela generalizada reivindicação coletiva ia em contra da estratégia oficial de empreender uma revisão limitada da repressão clandestina militar.
Neste conflitante contexto, no 21 de setembro, o CSFA informou à Câmara Federal de Apelações da Capital Federal que não se achava em condições de ditar sentença antes do 11 de outubro. O documento elevado pelo tribunal militar significou uma renovada expressão da falta de vontade dos juizes militares em impulsar a autodepuração pretendida desde as esferas governamentais, e ademais o fez empreendendo uma leitura política do processo de revisão iniciado com a instauração democrática. Nesse texto, o CSFA afirmou que "o julgamento dos integrantes das três juntas militares, ordenado pelo decreto 158/83, se dispôs em função de considerar aos comandantes em chefe supostos responsáveis mediatos de diversos delitos" do que surgia que "não poderiam ser legitimamente sentenciados sem determinar-se previamente, mediante uma adequada investigação, que e quantos ilícitos têm cometido os autores materiais ou responsáveis imediatos, para poder estabelecer depois qual é o grau de participação dos julgados em cada um deles". Ao mesmo tempo, expressou que a legitimidade da privação da liberdade dependia do fato de que as pessoas danificadas tinham cometido delitos, isto é, se incorreram na perpetração de delitos, a privação de sua liberdade era legítima, pelo que resultava necessário "investigaçãor as vítimas".
[...] la configuración de delitos de privación ilegal de la libertad requiere de la detención, efectuada por la autoridad con facultades para detener, recaiga en persona que no haya infringido ninguna norma penal, porque de haberlo hecho, es obvio, la restricción de su libertad no resultaría ilegítima. De donde se sigue que para conocer si dicha infracción se ha perfeccionado es requisito indispensable establecer previamente cuáles fueron los hechos cometidos por las presuntas víctimas a fin de determinar luego si, por su entidad, resultan penalmente reprochables.248
Nesta ordem de considerações, o CSFA também afirmou que tinha que levar em conta que o referido julgamento se tinha originado em "denúncias de pessoas implicadas nos fatos denunciados, ou de seus parentes" pelo que, consequentemente, "sua objetividade e credibilidade resultam relativas, pois, ainda sem presumir má-fé, seus relatos podem se encontrar influídos por razões emocionais ou ideológicas". Este artimanha de argumentos não levou em conta que em todo processo penal a objetividade deve estar garantida pelos juizes e não pelos implicados, vítimas ou partes comprometidas nos fatos que deram lugar às causas em questão.
Acerca da responsabilidade penal dos ex-comandantes do PRN com relação aos delitos mencionados no decreto 158/83, o CSFA qualificou de "inobjetáveis" os decretos, diretivas e ordens de operações através dos quais as Forças Armadas tinham enfrentado à subversão.
[...] según resulta de los estudios realizados hasta el presente, los decretos, directivas, órdenes de operaciones, etc., que concretaron el accionar militar contra la subversión terrorista son en cuanto a contenido y forma inobjetables y, consecuentemente, sólo podrían responsabilizárselos indirectamente por la falta de control suficiente, oportuno y eficaz, para impedir, frustrar o condenar los ilícitos que pudieran haberse cometido durante las acciones operacionales o de seguridad que sus órdenes motivaron. Sin embargo, para que en tal carácter pueda considerarse sus responsabilidades también es necesario probar primero la comisión de los ilícitos denunciados, pues de lo contrario no resultará posible establecer la falta de contralor que las motivó ni la relación de causalidad, requisitos indispensables para pronunciarse sobre aquellas.249
Pois bem, desde a promulgação de denominada lei de auto-anistia em setembro de 1983 não surgia desde o seio das Forças Armadas um documento tão expressivo que resumisse, como este parecer, a óptica militar acerca do passado. Por sua vez, tal documento expressava a clara disposição do tribunal castrense a opor-se, em plena sintonia com as aspirações generalizadas existentes nos quartéis, a qualquer tipo de revisão judicial do atuado pelas Forças Armadas durante a experiência autoritária, embora se tratasse inclusive de uma revisão delimitada como a que propunha o governo radical.
Em vista da posição assumida pelo CSFA, no 25 de setembro, o promotor federal da Câmara Federal de Apelações da Capital Federal, o Dr. Julio César Strassera, solicitou a este tribunal a dedicação, o que foi decidido o 4 de outubro interpretando que as ações do tribunal militar foram "dilatórias" e, em conseqüência, "denegaram" a administração de justiça. Desde então, as causas iniciadas pelo decreto 158/83 ficaram em mãos da justiça federal. O CSFA só tinha ditado a prisão preventiva ao General(R) Videla e ao Almirante (R) Massera e tinha julgado ao Brigadier (R) Agosti, embora posteriormente lhe tinha outorgado a liberdade por falta de mérito. O General (R) Leopoldo Fortunato Galtieri, o Almirante (R) Jorge Anaya e o Brigadier (R) Basilio Lami Dozo se achavam em prisão, mas em referencia ao julgamento iniciado por sua responsabilidade na guerra de Malvinas. Com relação à causa aberta por aquele decreto, estes oficiais e o resto dos membros das Juntas Militares do PRN nem sequer tinham sido processados, embora na última semana de outubro a Câmara Federal de Apelações da Capital ordenou a prisão preventiva do General (R) Roberto Viola, do Brigadier (R) Agosti e do Almirante (R) Armando Lambruschini. Os quatro ex-comandantes restantes tinham sido julgados pelo mencionado tribunal mas, posteriormente, tinham sido postos em liberdade por falta de mérito.250
Enquanto isso, no 3 de novembro, um semanário político da Capital Federal publicou a lista nominal elaborada pela CONADEP a partir de suas investigaçãos contendo os nomes dos 1.351 membros das Forças Armadas de Segurança -da reserva e da ativa-, religiosos, médicos e jornalistas acusados de ter participado na repressão ilegal durante o governo autoritário.251 Tal relação formava parte do informe que a comissão tinha elevado ao presidente da Nação e que também tinha entregado à justiça, embora, até então, não tinha sido dado a conhecer publicamente.
Por sua parte, na segunda metade do mês de novembro renunciaram os membros do CSFA, o que focou conformado por novos componentes só a fins de janeiro do ano seguinte. No 6 de dezembro, o juiz federal Miguel del Castillo dispôs o processo e detenção do Teniente de Navio Alfredo Astiz acusado do seqüestro e assassinato da jovem sueca Dagmar Hagelin, solicitando ao presidente da Nação que, em seu caráter de Comandante em Chefe das Forças Armadas, tomasse as medidas correspondentes para sua detenção. Ao dia seguinte, esta se concretizou e o marinho ficou incomunicado. No 8 de dezembro, o CSFA solicitou ao juiz del Castillo, em meio de uma forte pressão da Marinha, que se declarasse incompetente e remitisse a causa ao foro castrense indicando que em setembro de 1981 o militar julgado já tinha recebido a suspensão nessa causa. Finalmente, no 28 de dezembro, o juiz se declarou incompetente e girou as atuações à justiça militar.
Neste quadro, o funcionamento do tribunal supremo militar guardou, desde então, relativa importância já que a maior parte das causas abertas por violações aos direitos humanos cometidas por militares durante a ditadura começaram a ser remitidas a ele acorde com as normas processais vigentes. Esse era, aliás, o critério decidido pelo governo, quem, através do Procurador Geral da Nação, Dr. Juan Gauna, no 19 de janeiro deu instruções a todos os fiscais federais de primeira e segunda instância para que indicassem e procurassem a remissão desse tipo de causas ao foro castrense.
De todos modos, e apesar desta decisão, a administração alfonsinista teve, a respeito, atitudes contraditórias. Quando o 5 de março de 1985 o CSFA deu a desistência definitivamente ao Capitán De Navio Alfredo Astiz na causa aberta em dezembro sobre o seqüestro e desaparecimento da jovem sueca Dagmar Hagelin -apoiado em um parecer anterior datado em 1981 e referido ao mesmo tema- e ordenou sua imediata liberdade, o ministro de Defesa Raúl Borras instruiu ao Promotor de Justiça Geral das Forças Armadas, Comodoro (R) Héctor Canale, para que solicitasse perante a Câmara Federal a nulidade da resolução do tribunal militar,252 resolução que foi efetivamente tomada por este tribunal em 1986, trás uma audiência oral e pública, e ratificada pela CSJN em fevereiro de 1988.253 O governo pretendia, com isso, que fosse a justiça castrense a encarregada de julgar aos militares implicados em crimes do passado, mas quando ela o fazia em um sentido contrário ao esperado por aquele, intercedia em forma corretiva. Tratava-se, pois, de uma política com certeza, errática.
3.5) O julgamento aos ex-comandantes do PRN.
No 22 de abril de 1985 começaram as audiências do juízo oral e público contra os ex membros das Juntas Militares que conduziram o PRN. A Câmara Nacional de Apelações no Criminal e Correcional Federal da Capital Federal estava integrada por seis membros: Carlos León Arslanián -presidente do tribunal-, Ricardo Gil Lavedra, Guillermo Ledesma, Jorge Valerga Aráoz, Jorge Edwin Torlasco e Andrés D'Alessio. Os fiscais eram os doutores Julio César Strassera e Luis Moreno Ocampo -Promotor público adjunto-.254
As audiências se desenrolaram até o 14 de agosto. Duraram 900 horas e nesse lapso declararam 833 testemunhas, entre as que houve 64 militares, 15 jornalistas, 14 sacerdotes e 13 estrangeiros. Uma grande parte desses depoimentos foram dados por pessoas que tinham sobrevivido ao terrorismo de Estado, depois de ter passado longos períodos de tempo em centros clandestinos de detenção, na condição de "desaparecidos" e sofrendo aberrantes tormentos físicos e psíquicos.255 A acusação dos promotores se efetuou entre os dias 11 e 18 de setembro e a mesma se fundamentou em 709 casos selecionados de entre as 1.086 causas judiciais iniciadas até o momento do juízo, as 8.960 denúncias realizadas perante a CONADEP e as outras 700 denúncias apresentadas frente à Secretaria de Direitos Humanos dependente do governo nacional. As alegações das defesas foram expostas entre o 30 de setembro e o 21 de outubro.256
Na primeira parte de tais alegações o Promotor Público Strassera se opôs à interpretação castrense que tentava equiparar a ação ilegal levada a cabo pelas Forças Armadas durante a "luta contra a subversão" com a atuação político-militar que vinham desenrolando as organizações guerrilheiras desde os começos dos '70. Neste sentido, ressaltou que a necessária repressão institucional ao proceder violento desencadeado por estas organizações nunca poderia justificar a posta em marcha de uma forma mais violenta e abrangentes de terrorismo como o que foi o "terrorismo de Estado".
[...] ¿cuál fue la respuesta [...] que se dio desde el Estado a la guerrilla subversiva?. Para calificarla [...] me bastan tres palabras: feroz, clandestina y cobarde. Porque si bien resulta inexcusable admitir la necesidad y la legitimidad de la represión de aquellas organizaciones que hacen de la violencia su herramienta de lucha política, a fin de defender los valores de la democracia, del mismo modo debe admitirse que cuando esa represión se traduce en la adopción de los mismos métodos criminales de aquellas organizaciones, renunciando a la eticidad, nos encontramos en presencia de otro terrorismo, el del Estado, que reproduce en sí mismo los males que dice combatir. Los guerrilleros secuestraban, torturaban y mataban. ¿Qué hizo el Estado para combatirlos?. ¿Secuestrar, torturar y matar en una escala infinitamente mayor y, lo que es más grave, al margen del orden jurídico instalado por él mismo, cuyo marco, pretendía mostrarnos, como excedido por los sediciosos [...]?. ¿Cuántas víctimas de la represión eran culpables de actividades ilegales?. ¿Cuántas inocentes?. Jamás lo sabremos, y no es culpa de las víctimas [...]. Al suprimirse el juicio, se produjo una verdadera subversión jurídica. Se sustituyó la denuncia por la delación, el interrogatorio por la tortura, y la sentencia razonada por el gesto neroniano del pulgar hacia abajo. De ese modo, las juntas militares fracasaron no sólo en la misión de establecer la inocencia de los inculpados injustamente, sino también en la de probar la culpabilidad de los responsables de actos criminales.257
Neste sentido, o Promotor Público adjunto Moreno Ocampo exaltou que a metodologia de luta militar contra a subversão implementada a partir de 1976 tinha sido desenhada e conduzida pelos ex-comandantes que estavam sendo julgados, o que conforme sua acusação, desacreditava a interpretação militar de que os "poucos" crimines cometidos não foram mais que o resultado do "excesso" de alguns subordinados no cumprimento das ordens dadas.
[...] Ordenaron a un grupo de subordinados que abandonaran las elevadas normas de conducta que caracterizaban a la institución, de acuerdo con el reglamento interno, y, en cambio, que adoptaran la de los grupos que querían combatir [...]. Pero hay algo peor aún: no sólo ordenaron realizar acciones indignas de las Fuerzas Armadas, sino que, cuando debieron afrontar la responsabilidad por el mando, negaron sus órdenes, negaron conocimiento de lo actuado por sus subordinados, negaron conocimiento de los secuestros, de las torturas, de las muertes. Absolutamente ninguno de los jefes militares que ordenaban los operativos reconocen hoy haberlo hecho. Ni los aquí acusados [...] aceptan que se realizaban estos operativos, que se interrogaba con torturas y que los detenidos eran eliminados. Todos esos serían excesos. Sus responsables, los que los realizaron. Los jefes no tenían nada que ver; los jefes sólo son responsables de órdenes legales. Sin embargo, aquí se ha acreditado que existían grupos organizados que cumplían un horario especial; su tarea era de interrogar y torturar, y la realizaban en unidades militares o dependientes de las Fuerzas Armadas. Y estas actividades, que se produjeron a lo largo y a lo ancho del país, no pueden ser el fruto de la actividad de pequeños grupos aislados de oficiales. No puede concebirse que en un Ejército exista un grado de insubordinación tal que permita que oficiales inferiores realicen, a lo largo y a lo ancho del país, durante varios años, acciones contrarias a las que ordenan sus jefes. Y es por eso [...] que con esta referencia de excesos, los comandantes quieren atribuir a sus subordinados la responsabilidad que le corresponde [a ellos].258
Em outro trecho de sua exposição, Moreno Ocampo também recusou a argumentação militar mediante a qual se pretendia justificar que a ação das Forças Armadas durante o regime autoritário e, especificamente, que o plano de combate contra o terrorismo implementado por elas, se tinha atido aos decretos promulgados pelo governo peronista que antecedeu ao golpe de 1976 e que ordenaram a intervenção militar na "aniquilação" da guerrilha, assim como que tal acionar tinha sido apoiado pela sociedade argentina em seu conjunto. Em sua opinião, os seqüestros, as tortura e as chacinas levadas a cabo durante a última ditadura não responderam à vigência de uma série de decretos presidenciais anteriores mas a um plano de dominação política e disciplinamento social previamente traçado e sistematicamente implementado.
[...] el gobierno del doctor Luder no ordenó la represión ilegal y entonces la sociedad nunca pudo aprobar lo realizado porque, nunca se le explicó lo que realmente se hizo. La sociedad argentina siempre fue engañada; hasta el día de hoy la intentan engañar negando los hechos que ocurrieron, y si la sociedad no sabía, mal puede otorgar la aprobación a lo realizado [...]. ¿Resulta posible que los integrantes de la junta militar que a partir de esa fecha [24 de marzo de 1976] asumieron la totalidad del poder no solamente ejecutivo, legislativo sino también constituyente, pudieran afirmar que ellos secuestraron, torturaron y mataron en virtud de la obediencia que debían a un decreto del mismo gobierno que derrocaron?259
Neste contexto, a promotoria considerou que os acusados eram os responsáveis das detenções ilegais, dos tormentos, dos assassinatos e de todos os demais crimes cometidos durante a repressão do processo, a pesar de que nenhum deles tinha sido executor material desses delitos, assim como o expressou Moreno Ocampo.
[...] vamos a suponer por un instante que no hubiese existido en el país ningún plan orquestado y ejecutado; vamos a aceptar así, por vía de hipótesis, la teoría según la cual los delitos que hemos acreditado son frutos de excesos de las acciones independientes de personal de las Fuerzas Armadas y de las fuerzas de seguridad. En este caso, aún cuando ellos no hubieran dado órdenes criminales; aún cuando los tormentos, las torturas y las muertes hubieran sido cometidas por oficiales y tropas que no estaban obedeciendo a sus mandos; aún de aceptarse esta postura hipócrita, sostenemos que los acusados son penalmente responsables; ello es así porque en determinadas circunstancias, omitir, no actuar constituye un delito.260
Outro tópico central exposto pela promotoria consistiu em recusar a tese comum da defesa que argumentava que o acontecido durante o PRN se tinha tratado de uma "guerra". Para Strassera não houve tal guerra. Afirmou que nenhum documento liminar continha alusão alguma a uma "guerra", e que, ainda aceitando a hipótese da guerra, a responsabilidade criminal dos processados também ficava comprometida em tanto nessa guerra se produziu a total inobservância dos Convênios de Genebra de 1949 que estabelecem em conjunto de normas humanitárias em favor do trato e a proteção de civis e combatentes em caso de conflitos armados.
[...] ¿Qué clase de guerra es ésta en que no aparecen documentadas las distintas operaciones, que carece de partes de batalla, de listas de bajas propias y enemigas, de nóminas de heridos, que no hay prisioneros como consecuencia de ningún combate y en las que se ignoran las unidades que formaron parte? [...]. ¿Qué clase de guerra es ésta en donde todos los enfrentamientos resultan simulados y en la que en todos los combates las balas sólo hallaron en su camino a los enemigos de las fuerzas legales que no tuvieron una sola baja?. Porque resulta extraño que una banda de subversivos militarmente organizados, que contaba con armas modernas, no cause a las tropas represoras ni siquiera un herido, mientras todos sus integrantes mueren [...]. ¿Puede considerarse acción de guerra el secuestro en horas de la madrugada, por bandas anónimas, de ciudadanos inermes?. Y aún suponiendo que algunos, o gran parte, de los así capturados fuesen reales enemigos, ¿es una acción de guerra torturarlos y matarlos cuando no podían oponer resistencia? [...]. ¿Es una acción de guerra ocupar las casas y mantener a los parientes de los buscados como rehenes?. ¿Son objetivos militares los niños recién nacidos?. ¿Puede equipararse el saqueo del ajuar de una casa con la incautación del parque de artillería enemigo? [...]. ¿Son éstas las consecuencias desagradables no queridas de una guerra?. ¿Pueden hechos de esta naturaleza compararse con los efectos de un bombardeo aéreo a objetivos militares, que necesariamente causan muertes de inocentes?. No, señores jueces, ésos no fueron episodios no queridos pero inevitables; fueron actos criminales comunes, que nada tienen que ver con la guerra.261
Na parte final de sua alegação, a promotoria afirmou que ao longo das audiências pôde provar-se, em suma, "a existência de um plano criminal" em cujo âmbito se cometeram uma série de delitos que, ademais, foram encobertos pelos responsáveis do PRN.
Los argentinos hemos tratado de obtener la paz fundándola en el olvido, y fracasamos: ya hemos hablado de las pasadas y frustradas amnistías. Hemos tratado de buscar la paz por la vía de la violencia y el exterminio, y fracasamos: me remito al período que acabamos de describir. A partir de este juicio y de la condena que propugno, nos cabe la responsabilidad de fundar un paz basada no en el olvido sino en la memoria, no en la violencia sino en la justicia. Esta es nuestra oportunidad: quizá sea la última.262
Neste quadro, o Promotor Strassera acusou aos julgados pela responsabilidade dos seguintes delitos: ao General (R) Jorge Rafael Videla, o Almirante (R) Emilio Eduardo Massera e o Brigadier (R) Orlando Ramón Agosti por homicídios qualificados, privações ilegais da liberdade qualificadas, aplicações de tormentos, roubos agravados, falsidades ideológicas de documento público, usurpações, reduções a servidão, extorsão, seqüestros extorsivos, supressão de documentos, subtração de menores e tormentos seguidos de morte; ao General Roberto Eduardo Viola e ao Almirante (R) Armando Lambruschini por homicídios qualificados, privações ilegais da liberdade qualificadas, aplicações de tormentos, roubos agravados, falsidades ideológicas de documento público, usurpações, reduções a servidão e subtração de menores; ao General (R) Leopoldo Fortunato Galtieri por privações ilegais da liberdade qualificadas, aplicações de tormentos, falsidades ideológicas de documento público, usurpações, reduções a servidão e encobrimentos; ao Brigadier (R) Omar Rubens Grafigna por privações ilegais da liberdade qualificadas, aplicações de tormentos, falsidades ideológicas de documento público, usurpações, reduções a servidão, encobrimentos e subtração de menores; ao Almirante (R) Jorge Isaac Anaya e ao Brigadier (R) Basilio Lami Dozo por privações ilegais da liberdade qualificadas, falsidades ideológicas de documento público, usurpações, reduções a servidão e encobrimentos. Para eles, a promotoria solicitou as seguintes penas; reclusão perpétua par ao General (R) Jorge Rafael Videla, o Almirante, (R) Emilio Eduardo Massera, o Brigadier (R) Orlando Ramón Agosti, o General (R) Roberto Eduardo Viola e o Almirante (R) Armando Lambruschini; 15 anos de cadeia para o General (R) Leopoldo Fortunato Galtieri e o Brigadier (R) Omar Rubens Grafigna; 12 anos de cadeia par o Almirante (R) Jorge Isaac Anaya; e 10 anos de cadeia para o Brigadier (R) Basilio Lami Dozo.263
Por sua parte, as alegações das defesas não aportaram nada novidadeiro à nomeada posição castrense a partir da que se argumentava que a "luta contra a subversão" configurou uma verdadeira guerra iniciada nos anos '70 pela organizações guerrilheiras e que, por suas características não convencionais e atípicas, requereu da concessão de uma ampla margem de manobra aos quadros militares e policiais que a protagonizaram. Nesta guerra, o objetivo se reduzia a o "aniquilamento" da "subversão", o que, por sua parte, tinha sido ordenado pelo governo de Isabel Perón quando impôs a intervenção das Forças Armadas na luta contra o terrorismo de esquerda. Segundo indicaram, este "estado de guerra entre os estamentos militares e a guerrilha subversiva" tinha sido anterior ao golpe de Estado de março de 1976 e aos decretos presidenciais que ordenaram a intervenção castrense na aniquilação da subversão. Deste modo, os defensores dos ex-comandantes do processo indicaram que o PRN e a luta contra a subversão não responderam mais que à aplicação de diretivas e ordens emitidas pelo governo constitucional anterior. Além do mais, sustentaram que a restauração democrática tinha resultado daquela intervenção, assim como o expressou oportunamente o Dr. Juan Carlos Tavares, advogado defensor de Videla.
[...] Las Fuerzas Armadas y de Seguridad afrontaron una guerra impuesta por un enemigo que agredió a toda la sociedad argentina, atacando en forma artera y sistemática a personas y bienes, con el objeto de apoderarse del poder político, aniquilar nuestro sistema republicano e imponer un régimen totalitario. Fue una guerra que las instituciones armadas no promovieron ni buscaron, ni desearon librarla contra un enemigo mimético, que no usaba ni uniforme ni bandera, con características particulares de imprecisión, tanto en su comienzo y en sus términos, cuanto en su particular desarrollo [...] La defensa de la Nación, afrontada por las Fuerzas Armadas, de seguridad y policiales, con el apoyo de la mayoría del pueblo, fue absolutamente lícita; la equiparación ética y jurídica de las Fuerzas Armadas y los subversivos que desencadenaron la guerra, es inaceptable, moral, jurídica, militar y políticamente, pues no hace sino escamotear la realidad de la lucha vivida en nuestro país [...] La guerra defensiva que afrontaron las fuerzas legales, que fue reclamada y aceptada como una respuesta válida por la mayoría del pueblo, sin cuyo concurso no hubiera sido posible la obtención del resultado exitoso, además fue ejecutada por los cuadros y tropas de las fuerzas armadas, de seguridad y policiales en el marco de las reglamentaciones, instrucciones y directivas vigentes, y la victoria contra la subversión, en definitiva, es de nuestra Nación [...].264
No quadro desta interpretação era lógico, segundo afirmaram, que se tinham produzido alguns "excessos" durante a repressão. Além disso, isso se inseria no que, segundo interpretaram, se tratou de um "estado de necessidade" perante o qual o Estado apelou a qualquer método para defender-se de uma agressão que objetivava sua destruição e que teve à sociedade argentina como principal vítima. Tinha que "reduzir a nada" à "subversão terrorista".
[...] los hechos llevados a cabo por la subversión terrorista en la década del '70 permiten aseverar que nuestro país sufrió una situación límite que se confunde con un verdadero estado de necesidad, que legalizó por vía del poder constitucional el aniquilamiento de la guerrilla. Es menester reiterar, en suma, que fueron las disposiciones legales asumidas por el gobierno constitucional e instrumentadas por los decretos tantas veces referidos ordenando se procediera a ejecutar las acciones militares necesarias a efectos de neutralizar y/o aniquilar el accionar de los elementos subversivos. Fueron las medidas que condujeron victoriosamente a las Fuerzas Armadas a la destrucción de la subversión terrorista; por consiguiente, aniquilar a la subversión era entonces la consigna, y el término se debe enmarcar en su real acepción semántica, que proviene de la alocución latina "anilare", es decir, reducir a la nada.265
Neste contexto, as defesas dos ex-comandantes também proclamaram a nulidade do decreto 158/83 e a inconstitucionalidade da lei 23.049, em cujo âmbito se vinha desenvolvendo esse juízo. Com isto, em verdade, tratavam de deslegitimar o contexto penal e processual no que estavam sendo ajuizados os ex-comandantes e, em conseqüência, de demonstrar que esse julgamento não era mais que o resultado da decisão tomada pelo governo nacional em favor de condená-los jurídica e politicamente e de encarcerá-los. Em seu momento, depois da alegação de sua defesa, o Almirante (R) Emilio Massera pediu a palavra e expressou com absoluta claridade tal posição.
No he venido a defenderme; nadie tiene que defenderse por haber ganado una guerra justa, y la guerra contra el terrorismo subversivo fue una guerra justa; sin embargo, yo estoy aquí, procesado, porque ganamos esa guerra justa; si la hubiéramos perdido, ni ustedes ni nosotros estaríamos acá, porque hace tiempo que los altos miembros de esta Cámara habrían sido sustituidos por turbulentos tribunales del pueblo, y una Argentina feroz, irreconocible, hubiera sustituido a la vieja patria; pero estamos aquí porque ganamos la guerra de las armas y porque perdimos la guerra psicológica.266
Massera foi ainda além disto em suas argumentações e até acusou em forma soterrada ao governo nacional e aos juizes que tinha diante dele, de cúmplices do "terrorismo".
Aquí estamos protagonizando todos algo que es casi una travesura histórica: los vencedores son acusados por los vencidos, y yo me pregunto ¿en qué bando estaban mis acusadores? ; ¿en qué bandos estaban mis juzgadores? ; ¿quiénes son o qué fueron aquellos que hoy tienen mi vida en sus manos? ; ¿eran terroristas? ; ¿estaban deseando que ganaran los represores, eran indiferentes y les daba lo mismos la victoria de unos o de otros?. Lo único que sé es que aquí hubo una guerra entre las fuerzas legales, donde si hubo excesos, fueron desbordes excepcionales, y el terrorismo subversivo donde el exceso era la norma, y esto que acabo de decir es el punto central [...].267
Estes, em definitiva, foram os eixos centrais das respetivas alegações expostas pelas defesas dos ex-comandantes julgados.
Pois bem, no 9 de dezembro de 1985, os juizes da Câmara Nacional de Apelações da Capital Federal condenaram por unanimidade ao General (R) Jorge Rafael Videla à pena de reclusão perpétua, inabilitação absoluta perpétua, acessórias legais, acessórias de destituição e pago das costas; ao Almirante (R) Emilio Eduardo Massera à pena de prisão perpétua, inabilitação absoluta perpétua, acessórias legais, acessórias de destituição e pago das costas; ao Brigadier (R) Orlando Ramón Agosti à pena de quatro anos e seis meses de prisão, inabilitação absoluta perpétua acessórias legais, acessórias de destituição e pago das costas; ao General (R) Roberto Eduardo Viola à pena de dezessete anos de prisão, inabilitação absoluta perpétua acessórias legais, acessórias de destituição e pago das costas; ao Almirante (R) Armando Lambruschini à pena de oito anos de prisão, inabilitação absoluta perpétua acessórias legais, acessórias de destituição e pago das costas. O General (R) Leopoldo Fortunato Galtieri, o Brigadier (R) Omar Rubens Graffigna, o Almirante (R) Jorge Isaac Anaya e o Brigadier (R) Basilio Lami Dozo foram absoltos de culpa e cargo.
Na sentença, o tribunal afirmou que com a instauração da ditadura se observou "um aumento significativo no número de desaparições de pessoas" e que os seqüestros eram realizados por "integrantes de forças armadas, policiais ou de segurança" e os cativeiros ilegais se concretizavam clandestinamente em estabelecimentos ou unidades militares e policiais onde as pessoas seqüestradas eram interrogadas sob tormentos através de métodos de tortura similares na grande maioria dos casos e aos que se lhes impunha condições inumanas de vida.
Según ha quedado acreditado en la causa, en una fecha cercana al 24 de marzo de 1976, día en que las Fuerzas Armadas derrocaron a las autoridades constitucionales y se hicieron cargo del gobierno, algunos de los procesados en su calidad de comandantes en jefe de sus respectivas fuerzas, ordenaron una manera de luchar contra la subversión terrorista que básicamente consistía en: a) capturar a quienes pudieran resultar sospechosos de tener vínculos con la subversión, de acuerdo con los informes de inteligencia; b) conducirlos a lugares situados dentro de unidades militares o bajo su dependencia; c) una vez allí, interrogarlos bajo tormento, a fin de obtener los mayores datos posibles acerca de otras personas involucradas; d) someterlos a condiciones de vida inhumanas, con el objeto de quebrar su resistencia moral; e) efectuar todo lo descripto anteriormente en la clandestinidad más absoluta, para lo cual los secuestradores debían ocultar su identidad y realizar los operativos preferentemente en horas de la noche, las víctimas debían permanecer totalmente incomunicadas, con los ojos vendados y se debía negar a cualquier autoridad, familiar o allegado, la existencia del secuestrado y la de eventuales lugares de alojamientos; f) amplia libertad de los cuadros inferiores para determinar la suerte del aprehendido, que podía ser luego liberado, puesto a disposición del Poder Ejecutivo Nacional, o bien eliminado físicamente.268
O tribunal indicou, por sua vez, que o governo militar, não só omitiu realizar qualquer tipo de investigação a respeito, mas também ocultou deliberadamente o plano criminal que estava sendo implementado por seus subordinados. Tal ocultação constituía uma "garantia de impunidade" para os autores materiais dos procedimentos ilegais e configurava "um pressuposto iniludível do método ordenado".
Además, integraba el sistema ordenado la garantía de impunidad que se aseguraba a los ejecutores, por vía de lograr que los organismos legales de prevención del delito no interfirieran en la realización de los procedimientos, negando y ocultando la realidad de los hechos ante los pedidos de los jueces, organizaciones, familiares y gobiernos extranjeros, efectuando remedos de investigaciones sobre lo que ocurría y utilizando al poder estatal para poder persuadir a la opinión pública local y extranjera de que las denuncias eran falsas y que respondían a una campaña orquestada de desprestigio al gobierno.269
Para o tribunal, ao longo do julgamento, tinha ficado incontestavelmente provado que a partir do 24 de março de 1976, as Forças Armadas, em forma institucional, se fizeram cargo do governo nacional e através das estruturas do Estado planejaram e levaram a cabo uma modalidade repressiva que implicou a perpetração sistemática e repetida de numerosos crimines.
También ha quedado demostrado en este juicio que las órdenes impartidas dieron lugar a la comisión de un gran número de delitos de privación ilegal de la libertad, a la aplicación de tormentos y a homicidios. Asimismo, se ha evidenciado que en la ejecución de los hechos, los subordinados cometieron otros delitos que no estaban directamente ordenados, pero que podían considerarse consecuencia natural del sistema adoptado.270
Por sua parte, a Câmara afirmou que não tinha sustento a postura da promotoria no sentido que a responsabilidade criminal dos fatos descritos recaísse nas Juntas Militares devido a que, segundo considerou, não foi esse o organismo encarregado do comando das ações repressivas, dado que cada arma atuou individualmente, é dizer, "cada comandante ditou sua própria diretiva para a força sob seu mando, o que não tivesse podido acontecer se a junta atualizasse a direção das operações". Contudo, para o tribunal ficou provado que as "ordens delituosas" foram dadas pelos acusados com motivo da execução de "atos de serviço", isto é, que os fizeram como chefes superiores de suas respetivas forças.
[...] los procesados se encontraban en el pleno ejercicio del mando de las Fuerzas Armadas, y en su carácter de comandantes en jefe emitieron las órdenes ilícitas, dentro del marco de operaciones destinadas a combatir la subversión terrorista, actividad esta última que resulta indudablemente vinculada con el cumplimiento de las funciones que a ellos les correspondía desempeñar en virtud de expresas disposiciones legales.271
Respeito da obediência devida, na sentença se estabeleceu como critério interpretativo que a mesma não amparava aos atos delituosos quando estes atos tinham suposto fatos atrozes.
[...] las órdenes ilícitas se entremezclaron con la estructura legal de la lucha contra la subversión y todo esto fue acompañado por un intenso adoctrinamiento acerca de que se trataba de acciones en una guerra no convencional, y que constituían la única forma de combatir la delincuencia revolucionaria. En esas condiciones, es presumible que muchos subordinados puedan alegar en su favor la eximente de obediencia debida o un error invencible respecto de la legitimidad de la orden que recibieron. Pero, aún así, no cabe duda de que hubo quienes por su ubicación en la cadena de mandos conocieron la ilicitud del sistema, y hubo también quienes ejecutaron sin miramientos hechos atroces. De aquí se sigue que existen subordinados que no van a ser alcanzados por la eximente de obediencia debida y que son responsables de los hechos cometidos junto a quienes impartieron las órdenes objeto de este proceso.272
Neste quadro, a Câmara assentou que, independentemente da responsabilidade penal de seus subordinados, os acusados deviam responder como autores mediatos dos delitos cometidos devido a que, ao longo de toda a luta contra a subversão, mantiveram sempre o domínio sobre os fatos.
[...] El modo ilegal de actuar fue emitido a través de la cadena de mando regulares y tuvo por virtualidad dejar sin efecto las directivas en vigencia sólo en los puntos que se opusieran a lo ordenado (lugar de detención, trato al prisionero, inmediata intervención de la justicia militar o civil, o puesta a disposición del Poder Ejecutivo Nacional), en todo los demás, las directivas siguieron rigiendo plenamente. Es decir, toda la estructura militar montada para luchar contra la subversión siguió funcionando normalmente bajo la dirección de los procesados; sólo cambió la "forma" de combatir [...] Los procesados tuvieron el dominio de los hechos porque controlaban la organización que los produjo. Los sucesos juzgados en esta causa no son el producto de la errática y solitaria decisión individual de quienes lo ejecutaron, sino que constituyeron el modo de lucha que los comandantes en jefe de las Fuerzas Armadas impartieron a sus hombres [...]. El dominio de quienes controlan el sistema sobre la consumación de los hechos que han ordenado es total, pues aunque hubiera algún subordinado que se resistiera a cumplir, sería automáticamente reemplazado por otro que sí lo haría, de lo que se deriva que el plan trazado no puede ser frustrado por la voluntad del ejecutor, quien solo desempeña el rol de mero engranaje de una gigantesca maquinaria.273
Na introdução da parte dispositiva da sentença, o tribunal resumiu os fundamentos centrais da mesma indicando que, apesar de que os comandantes militares contavam com todos os meios operativos e legais para enfrentar e conjurar a ação das organizações subversivas, escolheram e aplicaram indiscriminadamente "procedimentos clandestinos e ilegais" tais como "o apresamento violento, conservação em detenção em forma clandestina, o interrogatório sob tormentos e, em muitos casos, a eliminação física das vítimas".
Se ha demostrado que, pese a contar los comandantes de las fuerzas armadas que tomaron el poder el 24 de marzo de 1976, con todos los instrumentos legales y los medios para llevar a cabo la represión de modo lícito, sin desmedro de la eficacia, optaron por la puesta en marcha de procedimientos clandestinos e ilegales sobre la base de órdenes que, en el ámbito de cada uno de sus respectivos comandos, impartieron los enjuiciados. Se ha acreditado así que no hubo comando conjunto y que ninguno de los comandantes se subordinó a persona y organismo alguno. Se han establecido los hechos que, como derivación de dichas órdenes, se cometieron en perjuicio de gran cantidad de personas, tanto pertenecientes a organizaciones subversivas como ajenas por completo a ellas; y que tales hechos consistieron en el apresamiento violento, el mantenimiento en detención en forma clandestina, el interrogatorio bajo tormentos y, en muchos casos, la eliminación física de las víctimas, lo que fue acompañado en gran parte de los hechos por el saqueo de los bienes de su vivienda. Se ha acreditado igualmente que tales actos tuvieron una extensión diferente en el ámbito de cada una de las fuerzas armadas: generalizados y cuantitativamente mayores en el caso del Ejército, a quien cabía la responsabilidad primaria en la lucha; circunscritos a algunas base navales y, en particular, la Escuela de Mecánica, en el caso de la Armada; y limitado tan sólo a tres partidos de la provincia de Buenos Aires, en el caso de la Fuerza Aérea.274
A Câmara Federal também resolveu recusar as causas de justificação expostas pelas defesas sublinhando o caráter "desnecessariamente ilegal" da repressão levada a cabo.
[...] sin desconocer la necesidad de reprimir y combatir a las bandas terroristas, tal represión y combate nunca debió evadirse del marco de la ley, mucho más cuando las Fuerzas Armadas contaban con instrumentos legales vigentes desde antes del derrocamiento del gobierno constitucional: podían declarar zonas de emergencia, dictar bandos, efectuar juicios sumarios y, aún, aplicar penas de muerte.275
Depois de indicar que se estudaram os atenuantes para toda conduta criminosa estabelecidos no Código Penal; que se analisou a interpretação do excesso, as formas de guerra civil, internacional e revolucionária ou subversiva e as disposições do direito positivo nacional ou internacional; que se realizaram consultas a especialistas em direito constitucional e em direito internacional público, a teóricos da guerra convencional e da guerra revolucionária; e que se atenderam os ensinos da Igreja Católica, os juizes afirmaram que não encontraram "nem uma regra que justifique, ou embora mais não seja desculpe, aos autores de fatos como os que se ventilaram neste juízo".
Neste quadro, o tribunal estabeleceu a responsabilidade penal dos ex-comandantes na perpetração dos referidos crimes cometidos durante a repressão ilegal.
Se ha afirmado la responsabilidad de cada uno de los comandantes en la medida de y por las órdenes que impartieron con eficacia para su fuerza. Y se les ha encontrado penalmente responsables por los hechos que subordinados suyos, cumpliendo tales órdenes, llevaron a cabo con relevancia delictuosa, sobre la base de las disposiciones del Código de Justicia Militar y de la legislación común.276
E, por último, a câmara não deixou de manifestar que a ilegalidade da repressão foi reafirmada através do encobrimento da ação ilícita e da ocultação de provas ou indícios.
Se ha comprobado, por declaraciones de los más altos jefes militares que participaron en las operaciones antisubversivas, que las órdenes fueron verbales; que los operativos y las detenciones eran encubiertos; que las demás fuerzas legales no debían interferirlos; que las personas aprehendidas no eran puestas a disposición de la justicia civil ni militar, salvo en contados casos; que no se debía dar información sobre las detenciones, ni siquiera a los jueces; y que los apresados permanecían en lugares de detención ubicados en unidades militares o que dependían de ellas.277
Quanto à responsabilidade criminal dos subalternos que participaram da ação ilegal da repressão, a Câmara dispôs no ponto 30 da sentença o julgamento dos oficiais superiores sob cuja direção funcionaram os diferentes subcomandos repressivos, e de todos os fardados que tinham tido responsabilidade operativa na luta contra a subversão, com o que, contra a intenção governamental, ficava aberta a possibilidade de que se ampliaram os julgamentos e, com isso, o número de militares julgados e eventualmente sancionados pelos crimines cometidos durante o passado.
[...] en cumplimiento del deber legal de denunciar, se ponga en conocimiento del Consejo Supremo de las Fuerzas Armadas, el contenido de esta sentencia y cuantas piezas de la causa sean pertinentes, a los efectos del enjuiciamiento de los Oficiales Superiores, que ocuparon los comandos de zona y subzona de Defensa, durante la lucha contra la subversión, y de todos aquellos que tuvieron responsabilidad operativa en las acciones [...].278
Deste modo, a justiça civil assinalou que o acontecido durante a ditadura militar se tratou de uma das experiências mais estendidas de terrorismo de Estado e que tal experiência foi planejada, montada e posta em prática pelas Forças Armadas no quadro de um plano criminal dirigido pelos comandantes do PRN. Também, e neste quadro interpretativo, o critério estabelecido na sentença pela qual a responsabilidade criminal de um superior na perpetração de um delito que não efetivou não exime ao subalterno que o materializou de sua correspondente responsabilidade penal, serviu de fundamento do argumento para o ponto 30 da sentença. Em conseqüência, o reconhecimento da responsabilidade compartida entre planificadores, mandantes e executores indicava a necessidade de que a revisão judicial da repressão do processo não se limitasse aos ex-comandantes e a alguns outros chefes militares mas que se estendesse a todos aqueles fardados que ocuparam o comando de zonas e subzonas e a todos aqueles que tinham tido algum tipo de responsabilidade operativa nas ações repressivas. Isto suponha, em suma, a generalização dos julgamentos "para abaixo", isto é, dentro da estrutura militar, o que se opunha com as intenções do governo em favor de uma revisão atenuada do passado e, em particular, do estabelecimento de um "ponto final" acerca desta questão.
3.6) As instruções ao promotor castrense.
Com certeza, estes aspectos da sentença surpreenderam ao governo ao mesmo tempo que foram objeto de severos questionamentos nos meios militares dado que a partir do mesmo se abriu um processo que possibilitou o julgamento de mais de um milhar de militares que participaram na repressão ilegal e que naquele momento se encontravam na ativa.279
Ao longo do ano 1985, diversos funcionários governamentais tinham difundido a intenção oficial de que a justiça pusesse um "ponto final" aos julgamentos em marcha pela via de uma interpretação ampla do princípio de obediência devida e que, dessa forma, essa problemática ficasse definitivamente resolvida. Nesse sentido, o 2 de abril, o então ministro de Defesa, Raúl Borrás, afirmou que o país não podia "permanecer eternamente com uma ferida aberta" que tinha que "pôr-lhe um ponto final".280
Esta era a visão expressada também pelo titular do EMGE, o General Héctor Ríos Ereñú, quem tinha assumido a direção da arma em março de 1985. Em junho, este chefe militar disse que a "única forma de fazer uma grande Nação" era encerrando o passado através de "uma lei de pacificação nacional", assim como Tancredo Neves tinha proposto em Brasil.281 No entanto, alguns dias mais tarde, esclareceu que o Exército "tinha assumido plenamente o julgamento a seus ex-comandantes porque também confia serenamente na majestade da justiça" e que, consequentemente, respeitaria as sentenças judiciais a que deram lugar os processos em curso.
Nuestra sensibilidad estará herida o no según sea la magnitud del juzgamiento que se produzca. Es decir, apriorísticamente, no estamos sensibilizados ni agraviados por una decisión que se ha tomado dentro del orden constitucional.282
Desde o mesmo momento de seu assenso à frente da arma mais comprometida com a repressão ilegal e com maior número de quadros judicialmente processados, o novo chefe do Exército demonstrou continuar um lineamento inovador respeito dos julgamentos em marcha e se manifestou partidário de consolidar, desde seu lugar institucional, a estratégia oficial que tendia a delimitar os mencionados processos através do reconhecimento dos diferentes níveis de responsabilidade penal dos fardados implicados em violações aos direitos humanos.
[...] creo firmemente en la enunciación [acerca de los diferentes niveles de responsabilidad penal] que ha hecho el poder ejecutivo acerca de cómo van a finalizar las consecuencias de la lucha contra la subversión.283
Apesar de tudo, foram crescentes e claras as críticas e pressões exercidas por numerosos subordinados e por alguns militares da reserva contra Ríos Ereñú. A mudança de orientação infringida por este acerca da atitude que deviam seguir os militares nos julgamentos em curso foi considerado por muitos como um lineamento concessivo e fraco perante o poder político. Frente a isso, o chefe do Exército respondeu permanentemente ratificando o curso por ele traçado.
[...] el actual es un momento que hay que vivirlo con tranquilidad y prudencia. No hay entrega, indiferencia ni inacción, sino un acatamiento a la justicia que no permite soluciones simplistas ni apresuradas.284
Desta maneira, o General Ríos Ereñú aceitava os julgamentos como forma de revisão do passado embora, ao mesmo tempo, propunha -em clara sintonia com o governo- a necessidade de que tal revisão fosse limitada no tempo e no alcance respeito do -pessoal comprometido com esses fatos. Em efeito, este chefe militar reafirmava a necessidade de desenrolar uma estratégia perante a questão dos julgamentos à denominou "batalha legal" e que supunha a aceitação dos processos em marcha e das resoluções e sentenças produzidas pela justiça a respeito, mas com o acompanhamento da reivindicação pública e institucional da luta contra a subversão, a assistência jurídica aos fardados culpados e processados e o exercício de uma permanente pressão sobre o governo em favor da redução do número de processos, da obtenção de um mínimo de sanções e, de máxima, da promulgação de uma lei de anistia e/ou um indulto que beneficiasse aos processados e/ou condenados. Analogamente, em novembro, foi o chefe do Estado Maior Geral da Força Aérea (EMFA), o Brigadier Ernesto Crespo, quem expôs a necessidade de uma "lei de ponto final" se "realmente os argentinos desejam que o país ia diante [...]".285
Ao longo de todo esse ano, foram inumeráveis e permanentes as manifestações de inquietude esboçadas pela oficialidade militar -particularmente, a pertencente ao Exército- acerca dos julgamentos em marcha. O curso que iam tomando estes julgamentos indicavam a quase segura ampliação de tais processos, o que inevitavelmente comprometeria a um número significativo de oficiais da ativa. Neste quadro, as proposições militares, algumas soterradas outras públicas, expressavam uma demanda quase unânime a favor de uma anistia ou de qualquer outra medida que pusesse um coto a essa situação. De igual modo, tudo isto se expunha em um quadro marcado pela reivindicação da ação castrense durante a luta contra a subversão, o que complicava ainda mais a situação política imperante. Muitas dessas manifestações eram avalizadas por altos chefes militares, assim como pôde apreciar-se quando a 12 de julho desse ano o Exército, com a autorização do General Auditor Carlos Cerdá, associou um extenso documento referido à "ação subversiva" desenvolvida no país durante as décadas anteriores, a um conjunto de respostas enviadas pelo EMCO à Câmara Federal da Capital Federal no âmbito da causa que se vinha substanciando contra os ex-comandantes do PRN. Nesse documento, ademais de analisar os fundamentos doutrinários, ideológicos e operativos do "marxismo", da "subversão em América Latina" e do "Terrorismo na Argentina", o Exército assinalou que no país se tinha tido de enfrentar a "um inimigo com um aparelho militar de envergadura" que empregava "táticas e elementos próprios de uma estrutura militar poderosa, disciplinada e coerente" e cuja ação subversiva tinha dado lugar a uma "guerra revolucionária [...] para aceder ao poder e deter a soma do poder político". Apoiada nesta leitura, esta arma fundamentou sua participação na luta contra a subversão a partir da necessidade de conjurar essa ameaça e até reconheceu que a tal estratégia lhe faltou "um acordo com as forças políticas nacionais depois da destruição do aparelho militar subversivo".
El mencionado acuerdo tendría la virtud de evitar la deformación de la imagen de la opinión pública sobre sus fuerzas armadas, que por un enfoque parcial del enjuiciamiento de los ex comandantes, las declaraciones de los testigos tomada fuera del contexto global de la guerra subversiva, hacen aparecer a sus integrantes como un conjunto de esquizofrénicos y sádicos, acrecentando la falsa dicotomía entre militares y civiles [...]. La crisis del país hace necesario dejar atrás un pasado que nos aplasta y agobia, y unir todas las fuerzas vivas del país en un futuro de reconciliación en pos de los grandes objetivos nacionales trazados por el gobierno para afianzar esta democracia alcanzada al costo de la vida de muchos argentinos.286
Esta manifestação, que não estava formalmente avalizada nem pelo General Ríos Ereñú nem pelo Brigadier Teodoro Waldner, não era mais que uma forma de crítica e rejeição aos julgamentos em desenvolvimento e uma renovada demanda ao poder político de solução dos mesmos.
Como contrapartida, em diversas ocasiões vários funcionários do governo expressaram a intenção oficial de pôr um limite aos julgamentos. No 5 de julho, no jantar anual de camaradagem das Forças Armadas, o presidente Alfonsín declarou que era necessária uma "reconciliação definitiva dos argentinos com um sentido enaltecedor de justiça baseado na ética social", embora indicasse que isso não era possível através de "pontos finais estabelecidos por decreto" mas através de um "ato de severa constrição e reconhecimento" através do qual toda a sociedade "decide encarar o futuro com o olhar para adiante".
Yo no creo en los puntos finales establecidos por decreto. No se cierran capítulos de la historia por la sola voluntad de un dirigente, cualquiera sea la razón que lo anime. Pero sí es fundamental que exista conciencia y consenso en torno de esto: en la sociedad misma, la que en un acto de severa constricción y reconocimiento de su identidad está recogiendo la experiencia del pasado y comienza a decidirse a encarar el futuro con la mirada hacia adelante, con el paso decidido, con humildad y con osadía.287
Além do mais, o mandatário acrescentou, entre outras coisas, que tal atitude devia supor o reconhecimento de "responsabilidades jurídicas e morais na memória coletiva de nossa sociedade". Este era, em definitiva, o fundamento do argumento sobre o qual Alfonsín pretendia concluir a revisão do passado. Se considerava improvável a imposição de um ponto final pela via do decreto, só ficava aberta a possibilidade de que se chegasse a isso através de um parecer judiciário -concretamente, através da sentença que a Câmara Federal ditaria no julgamento que se estava promovendo aos ex-comandantes do processo- ou, em última instância, mediante uma lei. Este era o objetivo procurado pelo governo.
No 3 de agosto, o ministro do Interior Antonio Tróccoli afirmou que estava em mãos da justiça federal a delimitação dos alcances da obediência devida tendo de estabelecer "em que casos poderia aplicar-se e em que casos não".288 Neste mesmo sentido, a começos de outubro, foi o ministro de Defesa roque Carranza quem explicou claramente a intenção oficial.
[...] el gobierno espera que la Cámara aclare precisamente el punto de la responsabilidad y la obediencia debida, que es el punto central [...]. Creo que el punto final va a ser dado básicamente por la justicia, al quedar establecido cuál es la responsabilidad de los ex comandantes [porque así] queda automáticamente establecida también cual es la responsabilidad de los subordinados.289
No 13 de outubro, o presidente da Câmara de deputados, o radical Juan Carlos Pugliese, afirmou que podia haver "um ponto final sempre que a sociedade o peça",290 o que prestava conta da possibilidade de chegar ao tão mencionado final da revisão do passado através de uma lei. A sentença da Câmara Federal através da qual este tribunal estabeleceu que a obediência devida não poderia configurar uma isenção de delitos que tinham suposto fatos atrozes e aberrantes e, ademais, ordenou a investigação de todos os subordinados implicados na perpetração destes crimes, significou um duro tropeção para a intenção governamental. Contudo, no 12 de dezembro, o ministro Carranza afirmou que seria a CSJN a que deveria decidir sobre a obediência devida. Também, no que se referia aos processos pendentes, o ministro afirmou que "isso depende das decisões que tome o Conselho supremo, onde estão radicadas as causas". Por sua parte, o secretário de Defesa, Horacio Jaunarena, tentando atenuar o impacto negativo que teve o ponto 30 da sentença da Câmara, exaltou a necessidade de superar as seqüelas do passado e disse que "o principal problema era ir fechando, estancando as feridas que se tinham produzido no país depois de um passado de muitos desencontros".
[...] no debe confundirse la responsabilidad de hombres concretos, que tuvieron la conducción completa de las Fuerzas Armadas en un determinado tiempo de nuestra historia, con las instituciones [...]. Los que están siendo juzgados son hombres que la justicia determinará si tienen o no responsabilidades. Pero las instituciones no están siendo juzgadas.291
Na verdade, a intenção oficial de chegar a um "ponto final" na labor da justiça acerca da revisão do passado significava um tácito reconhecimento do fracasso da política governamental iniciada a fins de 1983 e que se baseou na possibilidade de que as Forças Armadas se "auto depurassem" através da justiça militar.
No fim do ano 1985 se tinham somado em todo o país mais de 1.500 causas judiciais iniciadas contra membros das Forças Armadas e de Segurança por sua participação na repressão ilegal. Segundo a lei 23. 049, os mesmos deviam ser julgados em primeira instância pelo CSFA, embora vencido o prazo de 180 dias, em caso de negligência ou demora injustificada de parte dos juizes castrenses, as respetivas Câmaras Federais poderiam retomar-as e continuar o tratamento das mesmas.
No 4 de abril de 1986, a Câmara Nacional de Apelações da Capital Federal se dedicou e resolveu assumir o conhecimento da causa levantada contra o General (R) Ramón Camps que vinha sendo instruída pelo CSFA, negando lhe uma nova prorrogação solicitada pelo tribunal militar e aduzindo que era "responsabilidade dos juizes evitar que se posterguem sine die a resolução de qualquer causa", ademais de afirmar que a justiça devia atender "as reclamações de quem se tinham visto afetados pela perpetração de delitos de extrema gravidade" e que resultaria intolerável que "as ações penais emergentes de graves delitos se prescrevam a vista e paciência dos juizes".292 Com isso, a justiça federal da Capital Federal tornou a ratificar sua disposição a administrar justiça respeito dos mencionados delitos, em sintonia com o ponto 30 da sentença condenatória contra as ex Juntas militares do PRN e explicitando a necessidade de que se investiguem as responsabilidades penais através das respetivas cadeias de mando. Para o governo, por sua vez, isto, somado à quase iminente remissão de outras causas pendentes às Câmaras Federais de Córdoba, de La Plata e outras, significou um novo tropeço a sua intenção de chegar a um "ponto final" por via judiciária, já que a mencionada resolução implicava a generalização dos julgamentos "para acima e para abaixo" e, com isso, a possibilidade cada vez mais certa de que fossem julgados um considerável número de militares e polícias da ativa.
Perante esta situação, o governo tentou chegar a um ponto final nos processos em marcha e no dia 24 de abril, o ministro de Defesa, Dr. Germán López -quem no fim do ano anterior tinha substituído nesse cargo ao falecido ministro Roque Carranza-, deu uma série de instruções ao Promotor Geral das Forças Armadas nas quais estabeleceu-lhe os critérios processuais e interpretativos mediante os que devia exercer sua ação pública com relação às causas iniciadas a partir do artigo 10 da lei 23.049.293 No núcleo central destas instruções, o governo ordenou-lhe ao promotor castrense que nas causas correspondentes aos fatos penais imputados aos ex-comandantes em chefe -pelos quais, ademais, tinham sido condenados- ajustasse suas intervenções segundo "o previsto pelo artigo 11 da lei 23.049 interpretativo do artigo 514 do Código de Justiça Militar", isto é, "presumindo-se, em conseqüência, a obediência devida e o erro insanável sobre a legitimidade das ordens recebidas pelos subordinados com as excepções vinculadas com os excessos na execução dos fatos". Em função disso, o ministro lhe ordenou que acusasse aos subordinados responsáveis de fatos delituosos somente quando existissem evidências contrárias às presunções de que obrou sob obediência devida, deixando estabelecido que não mediaria "exculpação penal quando o subordinado tinha exercido capacidade decisória, tinha conhecido a ilicitude das ordens ou tinha executado fatos atrozes ou aberrantes". Por sua vez, o promotor devia entender, em primeiro lugar, que um subordinado exerceu a capacidade decisória "quando se tinha afastado das ordens recebidas, gerando ordens expressas próprias adicionais ao plano de luta contra a subversão incriminando aos ex-comandantes em chefe" e, em segundo lugar, que todo subordinado obrou com "erro insanável" sobre a legitimidade da ordem, "salvo quando a ação cumprida não fosse conseqüência das ordens recebidas de seus superiores diretos ou da ordem global implementada pelos ex-comandantes em chefe". Também ordenou-lhe que fizesse extensiva aos subordinados a responsabilidade dos ex-comandantes em chefe pela execução de delitos aberrantes "unicamente quando a conduta do subordinado configure um excesso no cumprimento das ordens recebidas". E, por último, indicou-lhe que solicitasse a suspensão/desistência definitiva da causa correspondente a fatos pelos quais os ex-comandantes tinham sido absoltos por considerar não provados os delitos ou por entender que os atos que originaram as causas não constituíram delitos.
Quando o governo, informou publicamente das mencionadas instruções ao promotor castrense, afirmou que com elas não se tentava impor um ponto final nem uma anistia encoberta, mas acelerar os julgamentos em marcha.294
Em verdade, o conteúdo das instruções indicava que o objetivo de fundo do governo era impor no foro militar -onde esperava se substanciassem as principais causas- um critério interpretativo do princípio de obediência devida que desse lugar à delimitação dos julgamentos na cadeia de mandos, isto é, ao processo e provável condena de alguns poucos chefes militares, o que, por sua vez, significava que o oficialismo continuava apostando a que fosse a justiça militar a que levasse a cabo a revisão limitada ou colocasse um ponto final ao tema. Isto é, o governo insistiu novamente na estratégia de "autojulgamento castrense" que já tinha fracassado durante o processo dos membros das Juntas Militares do PRN e cujo fracasso tinha assumido ao poder executivo na conflitante situação na que se encontrava nesse momento.
Por outra parte, essas instruções não supunham somente uma forma de "regulamentação interpretativa" do princípio de obediência devida mas também implicavam a anulação do artigo 11 da lei 23.049 através do qual -como já se analisou- se tinha estabelecido que não cabia a exculpação penal por obediência devida quando o ato delituoso tinha suposto a execução de "fatos atrozes e aberrantes". Também se opunham aos fundamentos da sentença condenatória ditada pela Câmara Federal da Capital Federal em dezembro do ano anterior, particularmente, ao ponto 30 da mesma, o que fez que, como conseqüência disso, três integrantes desse tribunal renunciassem a seus cargos.295
Enquanto isso, os nove organismos de direitos humanos e a maioria do espectro partidário opositor se recheitaram às mencionadas instruções. Os primeiros afirmaram em uma declaração conjunta que a obediência devida estava estabelecida no Código Penal e no Código de Justiça Militar e que "tudo quanto leve a modificar essas disposições supõe um a inadmissível intromissão na labor do Poder Judiciário", já que, ademais, a Câmara Federal tinha estabelecido claramente que "a sanção de quem deram as ordens em nada exclui a responsabilidade criminal de quem as levaram a cabo, dos que seqüestraram, torturaram ou assassinaram". Neste quadro, promoveram a apresentação maciça dos particulares danificados perante o CSFA aos efeitos de que, em tanto parte querelante das causas, puderam pedir medidas de provas e apelar perante as respetivas Câmaras Federais.296
No 1º de maio, o presidente Alfonsín, na sua mensagem à Assembléia Legislativa e frente à generalizada rejeição que as instruções ao promotor castrense tinham provocado na opinião pública, afirmou que "com a mesma intenção se darão também as instruções para que se processe a quem prima facie não poderá amparar-se na obediência devida, supostamente por haver tido capacidade decisória, ter conhecido a ilicitude e ter cometido fatos atrozes a aberrantes". Esta afirmação negava o conteúdo das instruções distribuídas o 24 de abril, embora, por seu lado, o ministro de Defesa, de rosto aos quartéis, indicava que as mesmas não seriam modificadas. Além disso, contrariando o afirmado no 1º de maio, indicou que as instruções não se opunham ao ponto 30 da sentença de dezembro da Câmara Federal e esclareceu que a coisa julgada não se estendia a quem não tinham sido julgados e que as desistências ordenadas não compreendiam os atos aberrantes e atrozes.297 Igualmente a pesar deste conjunto de contraditórias afirmações, as instruções continuaram em vigência.
No 5 de maio, o chefe do EMGE, General Ríos Ereñú, expôs perante um numeroso grupo de oficiais de sua força, sua perspectiva sobre o processo político que se estava vivendo e sobre as debatidas instruções, às que considerou como uma forma de "ponto final".298 Aí disse que "a vitória militar contra a subversão não se materializou de igual modo no campo político, porque a guerra contra a subversão foi uma guerra perdida". Expôs a necessidade de reinserir o Exército dentro do esquema institucional atuando sempre "dentro da lei" e com o objetivo de "ganhar a confiança do poder político para levar à instituição ao sitio que lhe corresponde e solucionar o problema das seqüelas da luta contra a subversão". Neste quadro, afirmou que "quando tentou-se procurar o ponto final, se botou a possibilidade de estabelecê-lo por decreto, mas a repercussão extremadamente negativa, furou a possibilidade", ao que acrescentou que "isto continua sendo visto como uma necessidade por diferentes setores políticos e inclusive pelo próprio Presidente", quem "por isto assina as instruções", às que considerou "favoráveis". Depois de propor a seus subalternos dar a "batalha jurídica" para defender legitimamente o atuado, finalizou dizendo que "ficará para o futuro, quando o tempo e o espaço o permitam, se é que poderemos reivindicar a nossos comandantes".
Enquanto isso, no 16 de maio, os organismos de direitos humanos realizaram uma multitudinária passeata de repúdio contra as instruções, à que assistiram vários dirigentes da oposição e um setor do partido oficial encabeçado por alguns deputados radicais, o que provocou a renúncia do ministro de Defessa, quem foi substituído pelo então secretário de Defesa, Horacio Jaunarena, partidário das instruções e de um ponto final para a questão dos julgamentos.
No 19 de maio, em momentos em que o presidente Alfonsín realizava uma visita ao convulsionado III Corpo do Exército com assento na província de Córdoba, a polícia provincial encontrou uma bomba colocada em um esgoto de uma rua por onde passaria o mandatário radical, episódio que nunca foi esclarecido nem se pôde identificar a seus autores, mas que provocou o passe para a reforma do titular desse corpo, o General Aníbal Verdura. Na verdade, se tratou de um atentado que mostrava o clima imperante nos quartéis respeito dos julgamentos em curso.299
Neste quadro, a situação do governo com relação à revisão judicial do passado se foi pondo difícil ao mesmo tempo que se foram estreitando suas margens de manobra a respeito. Os partidos políticos opositores e os organismos de direitos humanos consideraram as instruções como uma tentativa encoberta de impor um "ponto final" aos processos judiciais em marcha, enquanto que a maioria dos fardados. Longe de coincidir com essa perspectiva, as consideraram como uma medida insuficiente para conter e neutralizar a intervenção da justiça federal no julgamento generalizado de camaradas da ativa.
Por um lado, a decisão da Câmara Federal da Capital Federal -tomada no 17 de junho- de tomar as 300 causas que tiveram sua origem nas atividades repressivas realizadas em jurisdição do I Corpo de Exército -causa 450/84-, deixando sem efeito as ordens de desistências e absolvições dadas pelo CSFA a respeito, ou as sucessivas dedicações em agosto desse ano das Câmaras Federais de Rosário e de La Plata tomando conhecimento de importantes causas abertas contra outros chefes militares, encoraram a percepção militar. Mas, por outro lado, a prorrogação de 120 dias concedida o 21 de maio pela Câmara Federal de Córdoba ao CSFA para que continuasse com a causa que envolvia aos Generales (R) Luciano Menéndez e Juan Sasiaiñ e a outros altos oficiais, ou o fato de que a Câmara Federal de Bahía Blanca não se dedicasse em nenhuma das numerosas causas levadas pelo CSFA e que estavam em sua jurisdição até depois do ano 1986, também mostrava que não toda a justiça federal estava disposta a consolidar o critério de revisão judicial estabelecido pelo tribunal da Capital Federal.
No 3 de julho, o Senado da Nação interpelou ao ministro de Defessa Horacio Jaunarena com relação às instruções dadas por sua pasta ao Promotor Geral das Forças Armadas em abril. Nessa ocasião, os senadores peronistas Arturo Jiménez Montilla, Eduardo Menem e Alberto Rodríguez Saá - de cujo bloco tinha saído o pedido de interpelação finalmente aprovado- apontaram a demonstrar que as instruções se opunham e desvirtuavam a sentença da Câmara Federal da Capital federal, ao que o ministro respondeu que, tal como o indicou esse tribunal, aqueles que conheciam a ilicitude do sistema repressivo e os que cometeram fatos atrozes e aberrantes durante a repressão do processo não poderiam ser alcançados pelo principio de obediência devida, com o que não ficou claro, então, porquê o poder executivo tinha emitido as mencionadas instruções.300
No 18 de agosto, o CSFA utilizou por primeira vez os critérios estabelecidos nas instruções emitidas pelo poder executivo ao promotor geral castrense e, sobre o fundamento disso, resolveu a absolvição do General (R) Luciano Benjamín Menéndez, ex titular do III Corpo de Exército, em uma das causas que se lhe estavam seguindo. Por sua vez, a Câmara Federal de Córdoba renovou a prorrogação concedida ao CSFA na causa La Perla mas deveu tomar outra causa iniciada contra o General (R) Menéndez e outros.
O CSFA não funcionava desconexo das cúpulas militares mas que tentava respaldar sua própria atuação nelas. Entre agosto e setembro, manteve sucessivas reuniões com os Generales, Almirantes e brigadores nas que se abordaram os temas vinculados aos processos que se estavam desenvolvido em seu seio e às mencionadas dedicações produzidas por algumas Câmaras Federais. Quando o 17 de junho a Câmara Federal da Capital Federal se dedicou à causa 450/84, esse tribunal decidiu que o CSFA continuasse a cargo da instrução da causa iniciada pelos delitos cometidos na Escola de Mecânica da Marinha (ESMA) -um dos mais grandes centros clandestinos de detenção e tortura- devido à sobrecarga de trabalho que tinha, mas fixando-lhe ao CSFA um conjunto de tarefas e diligências específicas. Isto fez que o Almirante Julio Acuña, vogal desse tribunal, renunciasse a seu cargo demonstrando não estar disposto a ajuizar a seus camaradas da arma e o fez afirmando que as sucessivas dedicações das Câmaras federais da Capital federal, Rosario e La Plata impediam a aplicação das instruções e, comisso, se diluía a possibilidade de limitar os processos em curso.301 Com certeza, os processos judiciais que tinham passado à justiça federal indicavam que o futuro da revisão judicial do passado teria um desenvolvimento distante do desejado tanto pelos fardados quanto pelo governo nacional, situação que, ao mesmo tempo que ia agitando o ânimo nos quartéis, começava a pôr em evidência uma vez mais as limitações e contradições da política oficial a respeito.
234. Jornal Clarín, Buenos Aires, 12 de abril de 1984.
235. Jornal Clarín, Buenos Aires, 7 de julho de 1984.
236. Jornais Clarín, La Razón e Tiempo Argentino, Buenos Aires, 5 de julho de 1984; Jornal Clarín, Buenos Aires, 8 de julho de 1984.
237. Publicado no Boletín Oficial do 12 de julho de 1984.
238. Jornais Clarín e Tiempo Argentino, Buenos Aires, 5 de julho de 1984.
239. Jornal Clarín, Buenos Aires, 3 e 4 de agosto de 1984.
240. A mencionadalista nominal foi publicada inteira no Jornal La Voz, Buenos Aires, 12 de agosto de 1964.
241. Publicada no Boletín Oficial do 27 de agosto de 1984.
242. Jornal Clarín, Buenos Aires, 23 de agosto de 1984.
243. Jornal Clarín, Buenos Aires, 1 de setembro de 1984.
244. COMISIÓN NACIONAL SOBRE LA DESPARICIÓN DE PERSONAS, Nunca..., op. cit., p. 16.
245. Ibid., p. 55.
246. Ibid., pp. 223,224.
247. Ibid., pp. 480.
248. Jornal Clarín, Buenos Aires, 27 de setembro de 1984.
249. Jornal Clarín, Buenos Aires, 27 de setembro de 1984.
250. Revista El Periodista de Buenos Aires, Buenos Aires, 15-21 de março de 1985.
251. Revista El Periodista de Buenos Aires, Buenos Aires, 3-9 de novembro de 1984.
252. Jornal Clarín, Buenos Aires, 6 de março de 1985.
253. Jornal Clarín, Buenos Aires, 26 de fevereiro de 1988.
254. Revista El Periodista de Buenos Aires, Buenos Aires, 15-21 de março de 1985.
255. As versões taquígrafas dos mencionados testemunhos se encontram em El diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, publicação semanal entre maio e dezembro de 1985.
256. CIANCAGLINI, Sergio e GRANOVSKY, Martín, Nada más que la verdad. El juicio a las Juntas. Buenos Aires, Planeta, 1995, pp. 23-26.
257. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 8 de outubro de 1985.
258. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 8 de outubro de 1985.
259. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 15 de outubro de 1985.
260. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 15 de outubro de 1985.
261. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 15 de outubro de 1985.
262. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 15 de outubro de 1985.
263. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 15 de outubro de 1985.
264. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 15 de outubro de 1985.
265. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 29 de outubro de 1985.
266. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 12 de novembro de 1985.
267. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 12 de novembro de 1985.
268. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
269. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
270. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
271. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
272. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
273. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
274. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
275. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
276. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
277. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
278. El Diario del Juicio, Buenos Aires, Editorial Perfil, 28 de janeiro de 1986.
279. Jornal Clarín, Buenos Aires, 13 de dezembro de 1985.
280. Jornal Clarín, Buenos Aires, 3 de abril de 1985.
281. Revista Gente, Buenos Aires, 27 de junho de 1985.
282. Jornal Clarín, Buenos Aires, 20 de abril de 1985.
283. Jornal Clarín, Buenos Aires, 7 de junho de 1985.
284. Jornal Clarín, Buenos Aires, 4 de outubro de 1985.
285. Jornal Clarín, Buenos Aires, 6 de novembro de 1985.
286. Jornal La Razón, Buenos Aires, 25 de julho de 1985.
287. Jornal Clarin, Buenos Aires, 6 de julho de 1985.
288. Jornal La Razón, Buenos Aires, 4 de agosto de 1985.
289. Jornal La Razón, Buenos Aires, 5 de outubro de 1985.
290. Jornal La Razón, Buenos Aires, 14 de outubro de 1985.
291. Jornal Clarin, Buenos Aires, 13 de dezembro de 1985.
292. Revista El Periodista de Buenos Aires, Buenos Aires, 11-17 de abril de 1986.
293. Estas instruções estão inteiras no apêndice documental de: CHERÑAVSKY, Moisés, La seguridad nacional y el fundamentalismo democrático, CEAL, Buenos Aires, 1993.
294. Jornais Clarín e La Razón, Buenos Aires, 25 de abril de 1986.
295. Jornal La Razón, Buenos Aires, 26 e 29 de abril de 1986. Respeito das mencionadas renúncias, só efetivou-se a do juiz Jorge Torlasco, já que os juizes Jorge Valerga Aráoz y Carlos Arslanián retiraram suas respetivas renúncias depois de que o poder executivo se comprometesse a garantir o livre funcionamento da justiça.
296. Revista El Periodista de Buenos Aires, Buenos Aires, 2-8 de maio de 1986.
297. Jornal La Nación, Buenos Aires, 12 de junho de 1986.
298. Esta exposição está reproduzida em: VERBITSKY, Horacio, Civiles y militares..., op. cit., anexo 9, pp.417-420.
299. Jornais Clarín e La Nación, Buenos Aires, 20 de maio de 1986.
300. Jornal Clarín, Buenos Aires, 4 e 5 de julho de 1986.
301. VERBITSKY, Horacio, Civiles y Militares..., op. cit., pp.201-203.